CLIENTE: Gilberto Gil
VEICULO: O Estado de S. Paulo - SP
SEÇÃO: Caderno 2
31/03/2007
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SERVICE DATA:
Política Cultural:
O sucesso
à margem
da mídia
Pesquisa da FGV avalia a importância e
a força produtiva da cultura da periferia
Beatriz Coelho Silva
RIO
Enquanto a cultura regulamen-
tada e presente nos grandes
meios de comunicação
diminui
de tamanho e como força produ-
tiva, numa crise com quase
uma década, a cultura da perife-
ria cresce e se torna uma força
econômica importante. Em Be-
lém do Pará, com o movimento
tecnobrega, tem quase 6.000
postos de trabalho (entre for
mais e informais), mas o fenô-
meno não se restringe a estegê-
nero-do qual a banda Calipso é
só a ponta do iceberg - nem à
Região Norte. Espalha-se pelo
Brasil (com o funk carioca, o
samba duro baiano, o lamba-
dão cuiabano, atchê music gaú-
cha, etc.) e tem correspondên-
cias em toda a América Lati-
na. Para entender o fenôme-
no, a Fundação Getúlio Var-
gas e o antropólogo Hermano
Vianna divulgaram
esta sema-
na a pesquisa Cultura Livre,
Negócios Abertos, realizada
em Belém no ano passado.
"A gente quer aprender co-
mofunciona a cadeia produtiva
desse tipo de música, que desa-
fios a digitalização da cultura
trouxe para o direito autoral
tradicionale que modelos de ne-
gócios elesgeram", explica Her-
mano Vianna, que estuda as cul-
turas periféricas desde 1987,
quando fezuma tese de mestra-
do sobre o funk carioca. "Há
tempos, a música mais popular
do Brasil não é divulgada pela
grande mídia nem lançada pe-
las grandes gravadoras. Mas,
enquanto essas tinham, em
2006, 108 artistas contratados,
só em Belém do Pará existem
73 grupos musicais, 273 apare-
lhagens (equipes de som cujos
bailes são verdadeiros espetá-
culos audiovisuais), que lan-
çam cerca de 400 discos por
ano, contra 13 da Sony BMG em
2006, só para citar uma major."
PÁG.: D2
CULTURA LIVRE-Hermano Vianna e Ronaldo Lemos, da FGV: aprendendo como funciona a cadeia produtiva
Para Vianna, é importante
mostrar ao governo e à indús-
tria constituída, quantas pes-
soas trabalham nesse setor, co-
moeles se mantême como distri-
buem seus produtos culturais,
na contramão da indústria esta
belecida. "No pensamento tradi-
cional, o álbum de músicas (ele-
pe antigamente, CD hoje) é o fo-
co do negócio eo show serve pa-
ra divulgá-lo. Com esses músi-
cos, a questão se inverte, o CD é
um cartão de visitas para conse-
guir shows", comenta ele, lem-
brando que esta música, no en-
tanto, é desconhecida dos meios
de comunicação e das autorida-
des constituídas. "Há um cor-
dão sanitário em torno deles. O
funkcariocaéum exemplo. Qua-
se todos os bailes são proibidos
e, quando discuto a questão com
as autoridades, é sempre com a
Secretaria de Segurança, nun-
ca com a de Cultura."
Embora nem todos os pos-
tos de trabalho do setor sejam
informais (há casas noturnas e
equipes de som que contratam
seus empregados dentro da
CLT), a novidade cria situações
dequase ilegalidade. "Os produ-
tores do tecnobrega entregam
seus discos diretamente aos ca-
melôs para a venda e a polícia
de Belém começou a persegui-
EM BELÉM DO PARÁ,
MANTÉM 6 MIL
O TECNOBREGA
POSTOS DE TRABALHO
los. Foi preciso convencer o Mi-
nistério Público de que aqueles
discos não eram piratas por-
que não havia umoriginal. Mes-
mo assim, o MP alegou que os
camelos não tinham licença pa-
ra vender música", conta Vian-
na. "Ou seja, alguns modelos
desse negócio são cortados pe-
la raiz porque não se entende a
sua concepção. Nossa inten-
malizá-los e mostrar quantas
ção é buscar uma via para for-
pessoas trabalham nisso."
Aíentra o Centro de Tecnolo-
gia e Sociedade da escola de di-
reito da FGV, que realizou a pes-
quisa, e o Centro de Pesquisas
pelo Desenvolvimento Interna-
cional do Canadá, que a finan-
ciou. Segundo o diretor do pri-
meiro, Ronaldo Lemos, é preci-
so aprender a intervir nesse
mercado. "Mas tem que ser de
uma forma não invasiva, para
não perder as conquistas conso-
lidadas", disse ele. "Como o
CTSéespecializado em pesqui-
sa aplicada, desses estudos ne-
propostas nesse sentido."
cessariamente têm que surgir
Hermano Vianna acrescen-
pação do ministro da Cultura,
ta ainda que esta é uma preocu-
Gilberto Gil, desde o início de
TASSO MARCELO/AE
desse tipo de música
sua gestão. "Ele tenta sempre
mostrar que a cultura é um ne-
gócio, que gera milhões de em-
alta em dinheiro. Gil já come-
pregos e faz circular um cifra
çou a medi-lo para apresentar
os números a outras pastas co-
mo Fazenda e Planejamento",
comenta, ressaltando que o fe-
nômeno não se restringeà músi-
ca nem só ao Brasil. "Estuda-
mosofusioneo anarcopunk co-
lombiano, movimentos dos
anos 70 e que vendiam sua músi-
ca pelo correio, antes de haver
a internet. É interessante, por
exemplo, estudaro as lan house
(lojas
que alugam computador
por hora). Num tempo em que
se fala tanto em inclusão digi-
tal, as lans se proliferam a pon-
to de os donos incentivarem a
concorrência para dar conta da
demanda. A música é a maior
cultural, mas há muitos outros
evidência dessa nova indústria
itens a serem pesquisados.".