ESPECIAL 1968
presidente da Comissão, deputado Djalma Marinho. Citan-
do o dramaturgo espanhol Calderón de la Barca, Marinho
disse uma frase que se transformou em palavra de ordem na
Cámara: "Ao rei, tudo, menos a honra." No dia 12 de se-
tembro de 1968, na votação do plenário, o governo perdeu
feio. Foram 2 16 votos contra, 141 a favor e 12 em branco,
A
truculenta resposta da ditadura militar veio
no dia seguinte. Com o fim das garantias
constitucionais, a linha dura ganhou, en-
fim. liberdade e autonomia para investir
contra todos os que ainda acreditavam na
volta da democracia. A razia começou na
noite da sexta-feira 13. Censores ocuparam as redações
dos principais jornais, as rádios e as emissoras de teve.
Vários políticos e intelectuais foram presos, entre eles, o
ex-presidente Juscelino Kubitschek, os escritores Antônio
Callado e Carlos Heitor Cony, o poeta Ferreira Gullar, o
editor Enio Silveira, o advogado Heleno Fragoso. Em São
Paulo, os cantores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Transfe-
ridos para o quartel da PE, no Rio. Caetano teve os cabelos
retirar porque eu não vou." O militar, surpreso, gritou: “O
senhor está preso!" Sobral respondeu: "Preso coisa nenhu-
ma." Foi agarrado e arrastado pelo salão do hotel. Sobral
tinha, então, 75 anos de idade.
O arrastão da linha dura também fez muitas baixas no
meio acadêmico. O governo expulsou das universidades 66
professores, entre eles Caio Prado Júnior, Fernando Henrique
Cardoso o sociólogo Florestan Fernandes, a historiadora Ma-
ria Yedda Linhares, o fisico Jayme Tiomno e o médico Luiz
Hildebrando Pereira da Silva, que deixara uma posição no
Instituto Pasteur, em Paris, pela Faculdade de Medicina da
USP, em Ribeirão Preto. No Rio, não escaparam nem mesmo
os catedráticos da Escola Nacional de Belas Artes Quirino
Campofiorito e Mário Barata. Por força do Al-5, foram cas-
sados os mandatos e suspensos os direitos políticos do depu-
tado Márcio Moreira Alves e de vários outros parlamentares.
Em janeiro de 1969, o balanço de políticos cassados era o
seguinte: dois senadores, 28 deputados federais, 38 deputa-
dos estaduais e um vereador. Dois meses depois, mais 30
parlamentares vieram se juntar á lista de cassados e mais 100
pessoas tiveram os direitos políticos suspensos por dez anos.
A longa noite do Al-5 estava apenas
começando. Os jovens envolvidos no mo-
vimento estudantil não enxergaram mais
saída para o País, a não ser a luta armada
Enquanto o Partido Comunista Brasilei-
ro liderava as passeatas estudantis com
o bordão "Só o povo organizado derruba
a ditadura", os militantes das organiza-
ções à esquerda do partidão bradavam:
"Só o povo armado derruba a ditadura."
Foram à luta revolucionária. Criticavam
o pacifismo e a excessiva moderação do
PCB e consideravam-se a vanguarda das
forças populares. De certa maneira, fize-
ram lembrar os heróis criados pelo escri-
tor Victor Hugo, no clássico Os miserá-
veis. Cercados pelo Exército francês nas
rústicas barricadas de rua contra a mo-
narquia, são informados que o povo nào vai aderir. Resposta
dos rebeldes de Paris: "Se o povo abandonou os republica-
nos, os republicanos não abandonam o povo." Abandonados
pelo povo e pela classe média, os jovens de 1968 tornaram-se
presa fácil. Assim que foi baixado o Al-5, "a tigrada", segun-
do termo cunhado por Delfim Netto, saiu a campo para des-
truir as organizações de esquerda. Gaspari estima que, no
início de 1968, havia cerca de 800 militantes envolvidos com
ações armadas. Fontes militares contam o dobro. Pelo levan-
tamento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos, do Ministério da Justiça, mais de 250 desses mili-
tantes foram barbaramente torturados e assassinados pelos
órgãos da repressão de 1969 a 1975. Eles não viram o Al-5
ser extinto em 31 de dezembro de 1978, mas não morreram
em vão. Disse o psicanalista Helio Pellegrino, um pouco an-
tes de morrer: "Nós aprendemos com a loucura, a generosi-
dade e o sangue deles."
IDENTIFICAÇÃO Como ministro.
Costa e Silva já se aliava à linha dura
raspados a zero. Carlos Lacerda chegou à cela na manhã do
dia seguinte e, ao ser recebido com frieza pelo compositor
comunista histórico Mário Lago, estendeu a mão: "O. Má-
rio, preso fala um com o outro, não é?" Foram inúmeras as
histórias de solidariedade e bravura nos primeiros dias do
Al-5. Mas uma delas, contada por Zuenir. merece ser repe-
tida. Em Goiânia, no sábado 14, às 19h30, o grande advo-
gado Sobral Pinto aguardava, num quarto de hotel, a sole-
nidade de formatura da qual seria paraninfo. Estava de chi-
nelos, em manga de camisa e calça de pijama. O quarto foi
invadido por um major e seis soldados. O major trombe-
teou: "Trago uma ordem do presidente Costa e Silva para o
senhor me acompanhar." Destemido como sempre, Sobral
retrucou: "Meu amigo, o marechal Costa e Silva pode dar
ordens ao senhor. Ele é marechal, o senhor major. Mas eu
sou paisano, sou civil. O presidente da República não man-
da no cidadão. Se esta é a ordem, então o senhor pode se