dutor. Mas gostei. E percebi que havia
uma maneira interessante de falar sobre
processos sociais por meio do audiovisu-
al. Falei: "Marcos, vamos experimentar
fazer um filme sobre os carvoeiros? Tem
um incentivo fiscal aí, a gente consegue
levantar dinheiro, já tô de saco cheio de
trabalhar pros outros... Então é uma
maneira de trabalhar pra mim mesmo".
E deu certo? A gente decidiu fazer, mas
não sabia filmar. Resolvemos trazer um
cara de fora para aprender a filmar com
ele. Fomos procurar saber quem seria a
pessoa. Descobrimos o Nigel Noble, que
ganhou Oscar ſem 1981, com o documentá-
rio Close Harmony). Aí o contratamos.
Trouxemos o cara pra cá e ele dirigiu
Os Carvoeiros (1999). Para nosso espanto,
mandamos o filme para o festival de
Sundance e ele entrou no lugar de vários
outros filmes brasileiros de ficção. Aí a
gente foi pro Sundance e gostou daquele
negócio-uisquinho, cinema. Era legal.
Então decidimos: vamos fazer cinema..
Você ficou muito frustrado por seu fil-
me não ter sido indicado ao Oscar des-
te ano? Não. Primeiro porque eu acho
que o Ano em que Meus Pais Saíram de Férias,
sem demagogia nenhuma, é um ótimo
filme. A temática dele ajudava a indica-
ção ao Oscar, além da qualidade do ci-
nema. E esse foi o critério. A única coisa
que me chateou, para falar a verdade,
foi a seguinte: a gente não fez pressão
nenhuma sobre a comissão do Oscar.
Não liguei pra ninguém, não falei com
ninguém. Houve uma pressão do públi-
co, porque os sites começaram a fazer
enquetes e 70% da população queria o
Tropa de Elite. Algumas pessoas que es-
tavam no julgamento, quando saíram,
foram perguntadas pelos repórteres por
que não haviam indicado o Tropa de Elite,
conforme o público queria. E essas pes-
soas deram respostas mal-educadas.
Como a do Hector Babenco, que disse
que seu filme não para em pé? Eu não
vou citar ninguém. Achei deselegante,
só isso, uma pena. Mas tudo bem.
Mas você ainda tem chances de con-
correr a uma indicação ao Oscar. O
Cidade de Deus não foi indicado como
filme estrangeiro. Foi indicado pe-
la academia para quatro categorias
como filme norte-americano. Sabe
qual é a probabilidade de isso acon-
tecer de novo? Zero. É muito difícil.
Você tem uma estratégia para isso? A
estratégia não é minha, é da distribui-
dora, a Weinstein Company. Eles vão
inscrever o filme, mas daí a ele ser indi-
cado vai uma distância muito grande,
o Oscar virou um totenzinho para o ci-
nema brasileiro. Tem uma competição-
zinha, tem sempre os caras que estão
querendo ganhar o Oscar, blablabla...
Você está pouco se lixando para o Os-
car? Se você ganha o Oscar, gera uma
série de efeitos. Um deles é que fica
facílimo você financiar o seu próxi-
Não tenho cópias do
DVD pirata. Só o que
recebi da empregada
do ministro Gilberto
Gil. Acho que tem
um simbolismo,
fala alguma coisa
sobre este país
mo filme. Sua produtora cresce. En-
tão ganhar o Oscar é inegavelmente
ótimo. É claro que eu não estou pou-
co me lixando. Mas a probabilidade
de isso acontecer é zero ou perto disso.
Você esteve na casa do ministro Gil.
berto Gil para assistir a uma exibição
de uma cópia pirata do Tropa de Eli-
te? Eu tinha acabado de chegar de uma
viagem aos Estados Unidos. Estava sem
dormir direito por causa da pirataria e
porque estava trabalhando muito no
filme. No minuto em que cheguei em
casa, um amigo me liga e fala assim:
"Porra, que sacanagem, a maior gale
ra viu o filme no Circo Voador casa de
espetáculos do Rio de Janeiro). Compraram
uma cópia pirata de um policial e vão
fazer uma sessão na casa do ministro".
Eu estava cansado e aquilo me deu uma
irritação profunda. Falei: "Cara, isso
não pode ser verdade. Não é possível
que va passar um filme pirata na casa
do ministro da Cultura!". Mas, diga-se
de passagem, ele não tinha nada a ver
com a história, só envolvia a Flora Gil.
Que é mulher do ministro. E. Então
eu tentei arrumar o telefone da casa do
Gil, mas não consegui. Aí pensei: "Ca-
ra, vou ver se eu passo lá, eu tô muito
curioso". E fui. Toqueia campainha e
falei: “Po, tem uma cópia pirata aí?".
E pra minha surpresa tinha. Me devol-
veram, peguei a cópia e fui pra casa,
Você recebeu das mãos de quem?
Da empregada. No outro dia, a Flo-
ra me ligou e disse que não ia passar,
que não sabia que era pirata quando
deram pra ela. Tudo bem. Não liguei
pra imprensa. Na verdade, quem fa-
lou sobre isso na imprensa foi a Flo-
ra, no jornal O Globo. Considerei mais
um assunto do folclore brasileiro fri-
sos). E guardo esse DVD pirata até hoje.
Então você deve ter um montinho
de DVDs piratas na sua casa... Não,
só tenho esse que recebi da emprega-
da do ministro porque eu realmente
achei que tinha um simbolismo, fa-
lava alguma coisa sobre o país (risos).
O Fernando Meirelles (diretor de Ci-
dade de Deus] comemorou a sua vitó-
ria em Berlim. Isso o redime da decla-
ração que ele deu dizendo que adora-
ria que o próximo filme dele, Ensaio
sobre a Cegueira, fosse pirateado? Vo-
cê não ficou chateado com ele? Eu não
fiquei chateado. Eu simplesmente falei:
"Pô, posso te dar o nome do cara que pi-
rateou o meu filme". Mas eu entendo
a frase do Fernando. Você fica mesmo
com uma reação dúbia em relação à pi-
rataria. A dimensão que o filme tomou
no mercado pirata me deu a certeza de
que ele tinha sido acolhido pelo público.
No fim das contas, a pirataria ajudou
Tropa de Elite? Não acho que tenha aju-
dado, mas me deu uma informação: o
teu filme funciona em alto estilo. Como
diretor de cinema e produtor cultural,
MARCO 2008 PLAYBOY 61
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