CLIENTE: Gilberto Gil
VEÍCULO: Jornal da Tarde - SP
CLIPPING SEÇÃO: Variedades
SERVICE DATA: 02/03/2008
de tudo um pouco
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Amaldição do clichê
lha só a profundidade do pensamen-
to: quanto mais velhos ficamos, mais
chata fica avida. Culpa davelhice? Não, cul-
pa dos clichês- essas frases e pensamentos
prontos para os quais teimamos em apelar
por pura preguiça de acharmos algo mais
criativo para pôr nolugar. O uso dos clichês
é um sintoma da falência cerebral à qual
todos parecemos estar condenados. Noca-
so dos jornalistas, a história fica pior. So-
mos nós jornalistas que temos o poder de
multiplicar e mumificar clichês daninhos
na sociedade como nenhuma outra espé-
cie.Desconfie denós jornalistas quando es-
crevermos matérias com clichês. Isso será
um claro sinal de que fizemos a matéria pa-
ra você com a mais absoluta má vontade.
Entrego os segredos da classe aquie ago-
ra, e seja o que Deus quiser (belo clichê). Ao
leruma entrevista, vejalase você não se de-
para com alguma dessas perguntas: "Quais
os seus planos para o futuro?", "Que dife-
rença seu disco novo tem para o disco ante-
rior?", "Qual a diferença do público paulis-
taparao público carioca?", "Oquevocêpre-
fere fazer: cinema, teatro ou televisão?", "O
que seu personagem da novela tem a ver
com você na vida real?". Se isso aparecer,
pare de ler. Esse texto não merece seu tem-
po. Quem fez a entrevista não dá a mínima
para você e nunca ouviu falar da pessoa
que está entrevistando.
Acrítica musicalé agênese de muitos cli-
chês e o apocalipse da originalida-
de. Aposto minha coleção do Ro-
berto Carlos que nenhum
jornalista conseguiria es-
creverumamatéria sobre
um show, um artista ou
um lançamento de CD
sem usar seu repertório
de 'músico eclético',
"disco eclético', 'mescla
de ritmos', 'revisitar',
'roupagem', 'embala-
gem', 'soltaravoz','banda
seminal', 'voz visceral', 'fu-
lano levouopúblico ao delí-
rio', 'guitarristavirtuoso', 'sam-
bade
raiz', 'reggae de raiz', 'serta-
nejo de raiz'. Algumas, como 'in-
fluências do rock setentista' ou 'solos
comfrases inspiradas", passamatesofistica-
ção. Quanta hipocrisia. O ser que escreveu
isso não sabe nadade solosourocksetentis-
ta, ele só reproduz os clichês que sempre
leu sobre o assunto.
Acoisa está feiaenão acontecesó dolado
decá. Os artistas que resolvem darentrevis-
Júlio
Maria
Editor do Variedades
gente graúdacomo Chico Buarque e Gilber-
to Gil eu já ouvira coisa parecida. Era mes-
mo o fim da linha
tas nos dias de hoje são na maioria grandes
repetidores de frases tão feitas e vazias
quanto suas músicas. Cobri música porse-
te anos no jornal e decidi parar no dia em Quando o assunto é futebol, os clichês
que fui fazer uma entrevista com a bandao atingem níveis patológicos. O futebolês se
Rappa, no Rio de Janeiro. Eles estavam lan- impõe a qualquer sopro de criatividade e
çando um CD e suas respostas eram uma domina o cidadão que escreve sobre uma
exposição de pedras preciosas: simples partida de futebol. Não é o jornalis-
"Agora, com esse CD, esta- taquem leva o texto, mas o texto-contami-
mos fechando um ciclo" (
onado pelos 'clonistas' esportivos da TV -
ciclo pode também vir em
forma de trilogia'). "Nos-
so disco está mais maduro
porque nossabanda tam-
bém está mais madura"
(seria possível alguém fi-
car menos maduro com
o tempo?) "Estamos
mais unidos agora" (não
medigam). "Esse é o nos-
so melhor trabalho" (não
medigam). Foram asmes-
mas frases que eu havia
acabado de ouvir em entre-
vistas com Jota Quest, Skank,
Charlie Brown Jr. Até mesmo de
quem leva o jornalista. E aí, segura peão:
"Faltou atitude ao time", "Clássico é clássi-
co","Épreciso respeitaro adversário", "Fu-
tebol é uma caixinha de surpresas" e, claro,
o Oscar de melhor roteiro original: "Quem
não faz leva", como se nenhum jogo termi-
nasse em zero a zero. É um deserto no qual
nada parece crescer. Epoderia. Imagine se
um jornalista 'maluco' resolvesse cobrir
umjogo pelo ponto de vista do juiz. Se fizes-
seuma crônica novestiário deum timeque
acabara de perder. Se resolvesse narrar
uma partida em primeira pessoa como se
fosse a própria bola. Estamos perdendo as
partidas porque perdemos a capacidade
de sermos malucos. E originais.
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