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Uma imagem emocionante foi o senhor e o
presidente Lula na África, dançando. Pela pri-
meira vez um ministro da Cultura em todo o
rigor formal, ao mesmo tempo num ritual in-
comum. O ministro deu espaço ao artista.
É natural. Não gosto que a farda de ministro
iniba o indivíduo. Invoco testemunhos de cole-
gas meus. Um foi o [Antônio Nóbrega. Na Or-
dem do Mérito, na hora em que recebeu a co-
menda, dançou e me chamou. Depois me disse:
"Fiz questão de fazer aquilo e acho fundamen-
tal que você tenha colocado essa coisa do cor-
po na sua gestão. Você não é um político con-
ceitual. Você bota seu corpo. Você dança, você
canta." Outro foi o Djavan: "Você trouxe alegria
para o Ministério. Você chupa cana e assovia."
Encarno essa percepção quando não deixo o
protocolo ministerial inibir o artista e o ser hu-
mano. Fico ali o mais íntegro que posso.
O secretário-geral da ONUJ Kofi Annan sabe
tocar conga? (risos)
Não, não sabe. Mas está no sangue. Ele é afri-
cano. É como aqui. Se você botar um tambor
na mão de 90% das pessoas, alguma coisa
acontece. Foi engraçado. Cruzei com ele, dis-
se: "Secretário, posso lhe chamar no final?"
"Mas pra quê?" "Pra tocar alguma coisa com
a gente." "Vamos ver, vamos ver." O que me le-
vou a chamá-lo. Aí apontou para uma conga.
Sentou e tocou.
ALMAYALE BRASIL
Presidente
nenhum pode
chegar com
programa pronto
para fazer
governo. O que
tem são linhas
de atuação.
E digo mais,
a gestão
moderna é feita
por fluxo.
Acho mais
ainda, em
alguns casos,
a imprensa
vem se
configurando
num
oposicionismo
Alguns jornais
estão
claramente
se opondo
ao governo
Isso desmonta o convencionalismo.
O que eu falava: a motivação de aceitar o convi-
te. O significado de alguém como eu no Ministé-
rio . Ainda que surpreendente por um lado, é es-
perado que eu dê o tom, que utilize "provoca-
ções" desse tipo.
Alguns artistas se impacientam com o governo.
Boa parte chegou a se manifestar, Caetano, Chi-
co. Como o senhor vê essa "desilusão"?
Acho que não é uma desilusão. No caso de Caeta-
no, não é integralmente, no significado da quei-
xa. Porque o próprio Caetano era enfático no di-
zer "não devemos esperar demasiado, as expec-
tativas estão acima da possibilidade humana de
atendimento". O presidente Lula chegava com
uma aura, por ser historicamente a primeira
vez em que a eterna oposição às elites, a cha-
mada esquerda, chegava ao poder. Portanto,
depositários de uma expectativa enorme. Então,
a queixa de muita gente é um pouco atenuada:
"O que o presidente Lula pode fazer é um gover-
no real, não um governo de sonhos." Tem outra
questão. É um grupo que nunca fez alianças
para governar, primeira vez que experimen-
ta governar a máquina. Portanto, tem a inex-
periência que deve ser descontada. Temos lá,
claramente, esse sentimento. Agora estamos
nos afeiçoando à máquina.
Presidente nenhum no mundo pode chegar
com programa pronto para fazer governo. Não
existe isso. Não existiu no governo do presi-
dente Fernando Henrique, no governo do pre-
sidente Lula, no governo do presidente Bush.
O que tem são linhas de atuação. Demandas
sistematizadas, ou sistematizáveis em progra-
mas, e você vai implantar no momento que to-
ma conta da máquina. E digo mais, a gestão
moderna não pode ser pautada unicamente pe-
la visão cíclica. Ou seja, fazer o plano pluria-
nual, qüinquenal. A gestão moderna é feita por
fluxo. Claro que você tem que ter metas, mas
60, 70, 80% da energia tem que ser gasta na
gestão por fluxo, na avaliação, a cada instan-
te, de cada passo. No empirismo da ação. É um
pouco assim. E para isso você precisa chegar,
se acostumar, criar, treinar, capacitar as equi-
pes de governo que estão lá. Claro que ainda
você pode ter uma avaliação de desempenho:
boa ou ruim. Descontados todos esses aspec-
tos, não acho que no final a responsabilida-
de por competência, etc. possa ser criticada
demasiadamente como vem sendo. Acho mais
ainda, em alguns casos a imprensa vem se con-
figurando num oposicionismo. Alguns jornais
estão claramente se opondo ao governo.
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