ENTREVISTA_josé padilha
a história do sequestro comandado por
Sandro do Nascimento que resultou na
morte da refém Geisa Gonçalves, no Rio
de Janeiro - Padilha tenha sido acusa-
do de ser um ideólogo de esquerda por
apresentar ao público o ponto de vista
do bandido. Formado em administra-
ção de empresas, depois de cursar física
e engenharia,
José Padilha diz ter uma
forma.científica de fazer cinema. "É
uma opção minha. Lido assim com oci-
nema, porque me é natural." Esse estilo
implica em não colocar uma bula den-
tro do filme. "Eu não mostro uma cena
de tortura e digo que tortura é ruim. O
cara interpreta como quer", disse José
Padilha à repórter Adriana Negreiros,
que o entrevistou em duas ocasiões. Na
primeira vez, em São Paulo, oito meses
atrás, Padilha andava pelas ruas da Vi-
la Madalena, bairro boêmio da cidade,
sem ser importunado por fãs em busca
de autógrafos. Na segunda, no piso su-
perior de sua produtora, no bairro cario-
ca do Jardim Botânico, ele era o cineasta
brasileiro assediado por dezenas de pro-
dutoras internacionais e que fazia pla-
nos de filmar em Hollywood. "É a Dis-
neylândia do cineasta. Eu quero experi-
mentar para ver como é."
Você ainda está de ressaca pela co-
memoração pelo Urso de Ouro, a
premiação máxima do Festival de
Cinema de Berlim? Não, cara, eu
tô num fuso horário maluco. Fiquei
11 dias em Berlim e estou quatro ho-
ras para trás. Estou meio cansado.
Assim que saiu da premiação, você foi
para um bar dar entrevista. Sua vonta-
de não era de ficar por ali, beber todas
as cervejas alemãs e sair carregado?
Não, eu não bebo. Bem, eu bebi umas
cervejas em Berlim, sim, mas não queria
sair carregado daquele bar. E também
existe um rito depois da premiação, você
não tem liberdade para fazer o que quer.
Vou te contar como foi, você vai gostar.
Vamos lá. Os caras do festival ligaram
pra gente um dia e meio antes da pre-
miação e falaram: "Vocês ganharam
um prêmio. Se puderem ficar para a
cerimônia, vai ser bom para vocês".
Eles fazem isso com todos os cineas-
tas premiados, mas não falam qual
prêmio você ganhou. E aí você senta
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lá e eles começam a dar o prêmio por
ordem de importância. O Urso de Ou-
ro é o último. Então você fica torcen-
do para não ganhar os prêmios que
vão sendo anunciados. Quando che-
ga aos dois últimos, você sabe que ga-
nhou ou o prêmio especial do júri, que
é o Urso de Prata, ou o Urso de Ouro.
Então vocês começaram a comemorar
logo que foi anunciado o vencedor do
Urso de Prata, não? Aí é que é o mais le-
gal. O cara tá ali, recebendo o prêmio, e
fica deselegante você comemorar o seu.
Então você fica parado. E eu estava com
a maior galera - minha mulher, mi-
nha prima la atriz Maria Ribeiro), o Marcos
Prado (produtor do filme). E pra te torturar
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Antes de anunciar
o vencedor, pra te
torturar, entra uma
banda e toca por três
minutos. E eu ali,
pensando::Meu Deus
do céu, me dá esse
prêmio logo!
mais um pouquinho, entra uma banda
de jazz e toca por três minutos. E você
ali, sentado, pensando: "Meu Deus do
céu, me dá esse prêmio logo!".
Nesses três minutos, você não chegou
a pensar se seria aquilo mesmo? Eu
sabia que tinha ganhado. Ou então os
caras tinham me sacaneado muito me
fazendo ficar ali pra nada (risos]. Bom,
então depois que recebi o prêmio, me le-
varam para falar com três emissoras de
TV alemās. Depois fui para uma confe-
rência de imprensa numa rádio alemã
que fica dentro de um bar. Por fim, te-
ve o jantar oficial do festival. Aí acaba
a noite. E você tem que ficar segurando
o Urso. Não pode soltar. E é pesado, ca-
ra. To achando que é de ouro mesmo.
Por que você usou aquele gorro du-
rante a cerimônia? Porque estava frio
(risos]! Eu ficava entrando e saindo, en-
tão fiquei de gorro. E já tinha virado
uma coisa minha. Eu botei no primei
ro dia e começaram a me zoar. Disse
ram que eu parecia um intelectual pa-
quistanês com o gorro e os óculos. En
tão falei: "Pois vou ser um intelectual
paquistanês até o final". No começo eu
estava usando um gorro laranja. Aí o
organizador do festival falou pra mim:
"Bota o gorro da Berlinale, a echar-
pe, e fica com eles". É, ele já sabia que
eu tinha ganhado... E a primeira vez
que estou pensando sobre isso (risos)...
Ao comentar a premiação de Tropa
de Elite, o presidente Lula disse que
o filme ressaltava as eficiências do
país. A que eficiências você acha que
ele se referia? O Tropa de Elite prova que
o Brasil tem um cinema muito bom e
uma polícia muito ruim. Eu acho que
é isso (risos). A eficiência só pode ser a
do cinema. É muito comum mostrar
os problemas dos países no cinema. Os
cineastas fazem isso no mundo intei-
ro. Existe uma enorme quantidade de
filmes que criticam os Estados Unidos
pela guerra do Vietnā, pela guerra do
Iraque, pelos erros cometidos na con-
dução da guerra do Afeganistão. O ci-
nema é uma arte que se presta à crítica
social e não há nada de anormal nisso.
Existe uma observação recorrente
de que os filmes brasileiros abusam
da temática da violência. Essa expli-
cação que você acabou de dar justifi-
ca tal fato? Não, eu não justifico isso.
Primeiro porque a violência se pres-
ta ao drama. E cinema é drama. En
tão ela é comum no mundo inteiro.
O Brasil não é um país que faz filmes
sobre violência por excelência. Basta
olhar para os Estados Unidos. Não fa-
zemos filmes prioritariamente sobre
violência. O que acontece é que os dis-
tribuidores dos festivais preferem es-
ses filmes. Então eles os selecioname
depois perguntam: "Por que será que
o Brasil só faz filmes sobre violência?".
Você conseguiu alguma explicação ra-
zoável para o fato de seu filme ter sido
exibido com legendas em alemão na
sessão para a imprensa? Eles tinham