SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Luiz Carlos Barreto é a identida
de no aumentativo do cinema
brasileiro. Barretão cruzou as últi
mas cinco décadas como o mais
proficuo e mais influente produ-
tor de filmes nacionais. Ganhou,
por isso, o rótulo de "bardo"
O fato é que, na euforia ou na
depressão os ciclos que a pro-
dução cinematográfica nacional
alterna- Barretão foi sempre
uma referència, talvez a maior.
Ele está por trás de grandes su-
cessos ("Dona Flor e Seus Dois
Maridos", com o insuperado pú-
blico recorde de 10 milhões), da
obra de grandes talentos e à frente
dos maiores conchavos da políti-
ca audiovisual brasileira
CLIENTE:
VEÍCULO:
SEÇÃO:
DATA:
Folha. O cinema brasileiro atra-
vessa boa fase?
Luiz Carlos Barreto - O projeto
do cinema brasileiro não está in-
do por água abaixo. Não sejamos
catastrofistas. Mas caminha para
uma daquelas oscilações que nos
dão muito trabalho recuperar
A safra de 2003, quando o cine
ma chegou a 21% do total de mer-
cado, refere-se ao governo ante-
rior. No ano seguinte (2004), iria-
mos a 30% e fomos para trás
[15%). No ano seguinte (2005), cai
de novo (14%) e não se consegue
detectar que há erro na política.
Folha - Que erro?
Barreto - De uns tempos para cá,
a Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura passou a ter
como objetivo que filmes feitos
em co-produção com as majors
(grandes distribuidoras de matriz
norte-americana) e em associa-
ção com a Globo Filmes não rece-
bam mais incentivos (de concur-
sos públicos federais). Cada vez
GILBERTO GIL
FOLHA DE S.PAULO - SP
POLÍTICA CULTURAL Aos 77 anos, mais proficuo produtor do país conduz três longas e afirma que sabe se virar mesmo sem verba estatal
‘Vou seguir fazendo cinema', diz Barreto
Luciana Cavalcanti - 9.mar.2005/Folha Imagem
ILUSTRADA
11.01.2006
Barretão começa 2006 com três
projetos de filmes em andamento.
Somados aos 75 curtas e longas
que produziu, os títulos che-
gam a 78, um a mais do que os
anos que Barretão viveu até aqui.
Os tres filmes disputavamo
concurso de apoio ao cinema do
BNDES, cujo resultado será divul-
gado nos próximos dias. Barretão
não vencerá seus projetos não
passaram a etapa final.
0
produtor segue em frente.
"Todas as vezes em que me foram
negados editais, os filmes foram
feitos assim mesmo. Fui me virar
por outros lados", diz
Na entrevista a seguir, ele fala delaresco, mas sim popular.
cinema, de política cinematográ-
fica e de sua relação com o minis-
tro da Cultura, Gilberto Gil, 61.
"Sou amigo de Gil há 45 anos e
pretendo continuar sendo pelos
próximos 50." Barretão não pára.
mais isso vem se verificando. Mas
os produtores que estão nessa li
nha de conquista de mercado não
se lançaram a fazer cinema popu-
O produtor Luiz Carlos Barreto, 77, que pretende concluir três filmes em 2006, totalizando 78 na carreira
Ninguém pode dizer que "Lis-
bela e o Prisioneiro" (2003, Guel
Arraes, 3,1 mi-
lhões de especta-
dores) é de má
qualidade artistica
ou industrial. Ou
que "Carandiru"
(2003, Hector Ba-
benco, 4,6 milhões
PÁG:
só pode ser produzida onde há
condições de produzir soja. Eu já
produzi filme de norte a sul, de
leste a oeste do país. A regionali-
zação é temática. Regionalização
de infra-estrutura não existe. Vo-
cê não pode inventar uma infra-
estrutura cinema
tográfica no Ceará
ou no Piauí. O ei-
xo Rio-SP tem
uma modernissi-
ma infra-estrutu
ra instalada pela
iniciativa privada
O cara que quer
fazer cinema pode
fazer lá, mas vai
ter que processar
toda a sua tecno-
logia aqui. Os edi-
tais (das empresas
"Jamais me senti
privilegiado nem
usurpador de es-
paços de ninguém.
Conquistei meu es-
paço produzindo e
co-produzindo 78
filmes, entre os
quais pelo menos
20 obras-primas"
LUIZ CARLOS BARRETO
produtor
[2004, Sandra
Werneck e Walter
Carvalho, 3,2 mi-
lhões de especta-
dores] sejam
maus filmes. São
bons artistica-
mente, do ponto
de vista industrial
e do apoio popu-
lar. Quer dizer que
na hora da recep
ção do público
não vale o critério
democrático? Se o
povo gostou é
pome la democracia invertida
Folha - O sr. contra o projeto do
Minc de regionalização da produ-
ção cinematográfica?
Barreto - Isso é atitude demagó-
gica. É a mesma coisa que dizer:
vamos regionalizar a soja. A soja
trocinio ao cine
ma) deveriam ser
feitos com crité
rios e não com
ideologia. Podem
me bloquear por
todos os lados,
mas vou lutar
contra isso o tem-
po todo.
Folha - Na sua
opinião, a quais criterios deveriam
obedecer os editais de patrocinio
ao cinema?
Barreto - Cineasta que faz filme
sem pensar em atingir o público é
melhor mudar de profissão. Vai
pintar quadro, fazer arte indivi-
dual, porque o cinema é uma arte
industrial da sociedade de massa.
Tem custo certo e rentabilidade
incerta, mas o objetivo tem que
ser sempre atingir o máximo de
público. Ninguém pode imaginar
que um cineasta faca filme para o
seu umbigo. O cinema brasileiro
não pode se dar ao luxo de renun-
ciar a competição do mercado.
Eu disse ao (ministro da Cultura
Gilberto] Gil que assino embaixo
de todos os discursos dele sobre o
audiovisual. Porém, a equipe dele
vai no caminho contrário ao que
ele diz. Um pequeno núcleo da
Secretaria do Audiovisual enten-
deu que o cinema brasileiro tem
que ter um viés único, que elimina
a comunicação ampla com os se
tores populares. E o viés do cine
ma para o próprio umbigo. Essa
política está levando o cinema
brasileiro a um beco sem saída.
Folha - O secretário de Políticas
Culturais do Minc, Sérgio Sá Lel-
tão, diz que o sr. o culpa por suas
derrotas nos concursos da Petro-
bras e do BNDES.
Barreto - Ele está se dando uma
importància que eu não dou a ele.
Isso é um conjunto de coisas, uma
estratégia, na medida em que vo-
cé forma as comissões e indica
nomes. Na comissão do BNDES,
por exemplo, quem indicou (os
cineastas) Aurélio Michilis, Emi-
liano Ribeiro, Rosemberg Cariri?
uma comissão feita a dedo. Será
que foi o BNDES que descobriu o
Rosemberg no Ceará? Vai preva-
ISTO É LUIZ CARLOS
Nome: Luiz Carlos Barreto
Idade: 77 anos
Profissão: produtor
cinematográfico e fotógrafo
Naturalidade: cearense, radicado
no Rio de Janeiro
PRODUZIU
- Formação: Letras, na Sorbonne
Casado com Lucy Barreto, pai dos
cineastas Bruno e Fábio Barreto e da
produtora Paula Barreto
Títulos produzidos: 75 (curtas e
longas)
Divulga
"Assalto ao Trem
Pagador" (1961), de
Roberto Farias
"Garrincha, Alegria do
Povo" (1963), de Joaquim
Pedro de Andrade
"O Padre e a Moça"
(1965), de Joaquim Pedro
de Andrade (1932-1988)
"Dona Flor e seus Dois
Maridos" (1976), de Bruno
Barreto (recordista brasileiro de bilheteria, com cerca de 10 milhões de
espectadores)
"Bye, Bye, Brasil" (1980), de Caca Diegues
"Memórias do Cárcere" (1983), de Nelson Pereira dos Santos
"Ele, o Boto" (1986), de Walter Lima Jr.
"
Quatrilho" (1995), de Fábio Barreto
"O que Ê Isso, Companheiro" (1997), de Bruno Barreto
"Bossa Nova" (2000), de Bruno Barreto
"O Casamento de Romeu e Julieta" (2005), de Bruno Barreto
FOTOGRAFOU
"Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha (1939-1981)
"Vidas Secas" (1964), de Nelson Pereira dos Santos
lecer o gosto cinematográfico de
les. É um absurdo chamar cineas-
tas e produtores para comissões
de seleção. Há conflitos de inte-
resses. Há amizades em jogo. Se
me chamassem, claro que eu iria
votar por projetos de pessoas com
quem simpatizo e
cujo cinema eu
gosto. Nunca fui
para a imprensa
dizer isso. Mani-
festei em cartas,
seguidamente. Fa-
lei em documen-
tos privados.
Folha - Qual com
posição os juris de
veriam ter?
Barreto - O pró-
prio secretário do
Audiovisual deve-
ria fazer parte. O
presidente da An-
cine (Agência Na-
cional do Cine-
ma], um represen-
tante da empresa
que patrocina e
um exibidor e um
distribuidor. O
MinC e a Ancine
orientariam o viés
cultural; o repre-
sentante da empresa defenderia
os interesses de patrocinio e os
exibidores e distribuidores ve-
riam o viés do mercado. Sem ci-
neasta, sem compadrismo, sem
clientelismo. Isso é o que venho
dizendo e repetindo.
Folha - Por que o sr. assinou a car
ta ao MinC contra Sérgio Sá Leitão?
Barreto - Não liderei, não fui ar-
ticulador daquele abaixo-assina-
do. Assinei, porque respeito o
Ferreira Gullar. Sou amigo dele,
embora, naquele momento, não
concordasse com
o que ele diz sobre
o presidente) Lu-
la. Eu me solidari-
zei com o Gullar.
Não concordo
que seja tratado
daquela maneira
por um membro
do staff do Minc
que deveria ter
consciência de
que é um servidor
público, e não
achar que o públi-
co é seu servidor.
Não tenho nenhu-
ma idiossincrasia
pessoal com esse
rapaz (Sá Leitão,
jamais pedi a ca-
beça dele e nem
quero cabeça de
ninguém. Não sou
um colecionador
de cabeças. Já vi
muitos sérgios sa
leitões passarem pela minha vida.
Alguns não estão fazendo mais
nada, e eu continuo fazendo cine-
ma. Se ele vai voltar para o jorna-
lismo ou ser presidente de ONG,
não sei. Mas eu vou continuar fa-
zendo cinema.
"Eu disse ao presi-
dente do BNDES:
sou um dinheirófi-
lo, mas não sei ler
um balanço. Como
um cinéfilo vai ler
um roteiro e jul-
gar? É preciso ter
critério e evitar o
máximo a subjeti-
vidade"
IDEM
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