ENTREVISTA GILBERTO GIL
fundada em princípios que são enunciados, anunciados, mas
muito pouco perseguidos verdadeiramente pelo conjunto da
humanidade. A questão é se o Brasil será capaz – e possivelmen-
te não poderá fazer isso sozinho - de juntar outros povos do
mundo nessa proposta. Quer dizer, vamos caminhar mesmo?
Vamos ter o caminho do nosso destino? Isso é o nosso fazer.
O fato de estarmos discutindo isso, procurando compreender
possibilidades agora de fazermos isso já é um sinal de que
estamos querendo caminhar nessa direção. Por que vocês que
produzem e publicam informação estão querendo saber disso?
Por alguma razão. Porque percebem que se quer saber disso,
Percebem que o Brasil e o mundo cada vez mais querem saber
disso. É sinal de um sinal que está por aí. Sinal de que está no
radar, usando a expressão que você colocou.
Há seis anos, metade do primeiro mandato do presidente Lula, eu
(Ana d'Angelo) o entrevistei como ministro da Cultura e convida-
do do Fórum Mundial das Culturas, em
Barcelona. Interessante lembrar disso,
porque naquela época o País entrava
na moda na Europa, havia um clima de
otimismo, não se falava em crise. Havia
quase uma reverência para com o Brasil.
E hoje, seis anos depois? Acho que isso
aumentou muito no mundo. Evidente-
mente que toda essa atitude reverente
de expectativa positiva em relação ao Brasil tinha muito de
modelos anteriores que se buscava repetir, dimensões utópicas
já consagradas, que se gostaria de ver realizadas, manifestadas.
Tinha muito de um sonho da Europa frustrada por não ter sido
aquilo que ela própria quis ser. A Revolução Francesa que ficou
pelo caminho, a Revolução Americana que ficou pelo caminho,
as revoluções todas outras que ficaram pelo caminho. E, de
repente, a gente quer outra dimensão messiânica, alguém que
seja o restaurador, o salvador. E chega uma hora em que o
mundo também começa a querer ver o Brasil sob essa ótica.
E talvez não, possivelmente o Brasil não será nada disso e é
desejável que não seja exatamente isso. É desejável que seja
uma coisa nova, desconhecida, a ser construída. Nesse senti-
do, acho que essa expectativa cresce, mas com uma qualidade
instrutiva, quer dizer: cada vez mais o mundo todo espera do
Brasil, mas cada vez mais se espera uma coisa que não se sabe
o que é (risos). Isso vai proporcionando capacidade de diálo-
go, de conversa, de entendimento, de
afetividade, atratividade. O Brasil vai
se tornando atraente e vai atraindo
também...
(Apesar de as sociedades
não saberem para onde querem
andar, o governo precisa ter
uma capacidade de leitura
dos desejos ocultos )
Quando se sabe muito bem o que se quer
não se tem inovação, certo? Não tem!
Então é assim, feitiço. O Brasil é feitiço,
tem que saber disso...
E no governo Dilma, alguma possibilida-
de política? Para mim, não. Não quero mais, não.
Já teve a experiência... Já e não quero, não me sinto capacitado.
O político tem de trabalhar com exiguidades muito precisas.
Um senso muito preciso de impossibilidades, de limites, de
redução de horizontes etc.
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É o oposto da arte, não é? É o oposto da arte.
Além disso, o orçamento da Cultura diante dos outros ministérios é
de chorar... Também é muito pequeno. Com toda a gritaria que
a gente fez, a gente não conseguiu chegar a niveis razoáveis de
recursos. Mas estamos aí para ajudar. Acho que a parceria dos
governos com a sociedade é algo cada vez mais importante, no
sentido de que os governos entendam que as sociedades preci-
sam andar. Apesar de as sociedades não saberem para onde, o
governo tem de ter um pouco dessa capacidade interpretativa,
de leitura dos desejos ocultos. Espero que o governo da Dilma
e tantos outros governos no mundo tenham essa capacidade
de entender essa relação profunda com o desconhecido, essa
relação respeitosa com o desconhecido para que ele seja fonte
de instrução para o conhecido, para a busca do conhecimento.
Espero que esse espírito, essa visão, esteja – se possível – em
todos os governos do mundo, ma
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