A esq., os pais de Mãe Stella, Esmeraldo Antigno dos Santos e Thomazia Azevedo
Santos. A dir., no colégio Nossa Senhora Auxiliadora, a única aluna negra da sala
A
mãe-de-santo mais respeitada da Bahia fala quatro idio-
mas, incluindo o ioruba (lingua de uma parte dos escravos
que vieram para o Brasil, conhecida por nago), usa óculos
escuros no estilo Matrix, devora romances policiais, vai ao cinema
e lê os principais jornais quando pode. Não fosse pela maneira or-
todoxa de seguir os ensinamentos do candomblé, poderia se dizer
que
Maria Stella de Azevedo Santos, 83, é a mais moderna das ia-
lorixás (māe-de-santo) do país. Divorciada e sem filhos, estudou
nos melhores colégios de Salvador, trabalhou 30 anos como enfer-
meira - atitude de vanguarda numa época em que as moças de
familia so se preocupavam em casar e ter filhos - e já publicou
quatro livros (E dai Aconteceu o Encanto, 1988; Meu Tempo E Ago-
ra, 1993: Oxóssi - O Caçador de Alegrias, 2006; e Proverbios, 2007).
Mãe Stella se diz seguidora fiel de Mãe Aninha, fundadora do
Afonjá (o lle Opô Afonjá, hoje comandado por ela), uma feminis-
ta fervorosa, que no início do século passado já pregava a inde-
pendência das mulheres baianas. Embora vaidosa, raramente usa
batom e brincos. Ter estudado nas melhores escolas não quer di-
zer que a vida dessa filha de Oxóssi, deus dos caçadores, uma di-
vindade masculina, tenha sido fácil. Órfã de mãe aos 6 e de pai al-
guns anos depois, foi criada, junto aos quatro irmãos, por um tio.
Abaixo as tradições
Quando assumiu seu terreiro, o lle Opô Afonjá, em 1976, subs-
tituindo Mãe Ondina de Oxalá (falecida em 1975), numa sucessão
polêmica, decidida no jogo de búzios por Pai Agenor (mito do
candomblé), Mãe Stella provocou uma revolução no terreiro. Afas-
tou-se das celebridades e do folclore criado em torno do Afonjá e
abraçou a intelectualidade baiana. Sua gestão é marcada por gran-
des realizações, como a criação de um museu, de uma biblioteca e
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de uma escola de ensino fundamental. Mãe
Stella, contrariando uma tradição, recu-
sou-se a manter relações promiscuas com
o poder. Até com Antonio Carlos Maga-
lhães, querido pelas mães-de-santo. "Não
éramos apaixonados."
Sua paixão era Jorge Amado. O escritor
ocupava em seu terreiro um dos mais altos
títulos do candomblé. Era obá orolu, um
dos 12 ministros de Xangô - nem a qualifi-
cação de doutor honoris causa na Sor-
bonne, em 1998, lhe deu tanto orgulho.
Gilberto Gil é outra figura importante que
não dispensa o café de Mãe Stella, por quem
foi nomeado também ministro de Xangô.
Mãe Stella é contra o sincretismo reli-
gioso. Para ela, não há nada de enriquece-
dor em misturar Oxalá com Jesus Cristo. É
conhecida em Salvador por sua personali-
dade forte. Já passou pito até no prefeito
João Henrique, evangélico. O repórter tam-
bém levou uma bronca. Estava, em plena
sexta-feira, dia de vestir branco para Oxa-
lä, usando vermelho, de lansă, a deusa guer-
reira, senhora dos ventos e das tempesta-
des. O vendaval não veio, ainda bem. O re-
pórter foi perdoado da gafe aos pés de Mãe
Stella de Oxóssi, que, calmamente, comen-
tou com uma filha-de-santo: "Você espera-
va o que de um jornalista paulista?".