acampamento e conversava com todo mundo. Ficou saben-
do que da manhã pra tarde do dia da abertura estavam
convocando músicos e artistas amadores pra fazer uma
programação paralela com as coisas que surgissem por
ali. Cláudio falou: "Vamos lá, o pessoal tá chamando a
gente pra se apresentar!” Caetano estava lá, Gustavo e
Pedrinho, da Bolha, os meninos músicos que estavam
por lá e outros artistas brasileiros. Martine, uma artista
plástica belga, amiga do grupo, tinha feito uma enorme
centopeia de plástico vermelho. Juntamos tudo isso, os
violões que estavam por ali, fomos umas 20 pessoas para
o palco, vários deles nus, vestindo a centopeia. Houve
uma performance em que, de repente, as pessoas saíam
todas nuas de dentro da centopeia, improvisamos e can-
tamos algumas músicas. Era por volta de uma da tarde e
o público todo vibrou muito com aquilo tudo. Era muito "Quando saímos
ao estilo das coisas que toda aquela multidão gostava e
queria. Lembro que, na reportagem geral sobre o festival,
a revista Rolling Stone deu um destaque muito grande à
nossa apresentação, mas não me lembro de nenhum exe-
cutivo de gravadora querendo assinar conosco, não.
do País, a
recomendação
dos militares
Brasileiros - Meses antes de voltar para o Brasil, você
se apresentou em Nova York, no Folk City, com uma
ambientação de Hélio Oiticica. O local é célebre por ter
sido palco do primeiro show de Bob Dylan. Qual
foi sua
impressão do público americano? Por esses dias, outubro
de 1971, você estava se apresentando pela primeira vez
nos Estados Unidos, fazendo shows em Paris, e já plane-
java voltar ao Brasil? O momento era oportuno?
G. G. - Não me lembro se já tinhamos uma perspectiva de
volta. Quando saímos do País, a recomendação dos mili-
tares era de que ficássemos por lá e deixássemos de lado
qualquer ideia de voltar. Não me recordo se, em 1971, as
negociações que alguns dos nossos parentes e pessoas próxi-
mas começaram a fazer com os militares, para que a gente
pudesse voltar, já tinham
começado. Tenho impres-
são que se deram no início
de 1972, quando Caeta-
no volta, um pouco antes
de mim. De todo modo, a
ida para Nova York esta-
va muito mais dentro da
perspectiva de exploração
do campo geral das novas
ficássemos por procesibilidades de fora.
lá, sem
qualquer
ideia de
voltar”
público era basicamente
americano; o convite e a
promoção partiram de
americanos. Evidente-
mente, me lembro que um
deles era ligado ao Brasil,
tinha envolvimento com
o Arena, o Boal, e me con-
vidou. Hélio morava em
Nova York nessa época
e já veio praticamente dentro do pacote. Quando me con-
vidaram, anunciaram que a ambientação toda ia ser fei-
ta por ele, que usou pedras, água. Era uma alusão direta
à tropicalia e à própria obra dele. Reconstituía um pou-
co aqueles elementos - tinha uma televisão também. Foi
uma semana muito interessante na off Broadway, um dos
eventos que consolidaram em mim o sentimento de que era
possível fazer uma carreira internacional, coisa que veio a
se efetivar mesmo anos depois, em 1978, depois do Festi-
val de
Jazz de Montreux,
Brasileiros - Interessante que toda essa repercussão posi- era de que
tiva tenha se dado em um festival em que grandes nomes
como Jimi Hendrix e The Who fizeram apresentações
medianas, não é? A propósito, dias depois, acontece a
morte de
Jimi Hendrix, como recebeu a notícia?
G.G. - Uma das coisas mágicas desta estada na Ilha de
Wight foi justamente ter conhecido Hendrix. Eu lembro
que estávamos assistindo ao show de Miles Davis, gru-
po do qual participava o Airto Moreira, percussionista
brasileiro, e estávamos muito perto do palco. Eu, Cae-
tano. Dedé, Sandra, Cláudio Prado, toda essa turma. O
Airto acabou nos vendo e sinalizou pra que fossemos
ao camarim, no backstage, depois do show. Fomos, e lá
encontramos, entre outras pessoas, Jimi Hendrix, que o
Airto, muito gentilmente, se prontificou a nos apresentar.
Conversamos uns dez minutos ali, ele já pronto, vestido
com a roupa pra fazer o show. Uma semana depois ele
foi à Alemanha, fez ainda uma apresentação, voltou pra
Londres e ficou hospedado em um hotel na Kensington
Park Road, a uns cem metros da minha casa, que era
em um bequinho desta mesma avenida, e nós tivemos a
notícia. Uma amiga nossa, americana, que tinha vivido
no Brasil na época do tropicalismo e estava vivendo em
Londres, tinha estado com Hendrix em um jantar três ou
quatro dias antes da morte dele e, no dia seguinte, este-
ve conosco, relatando seu estado de extrema paranoia.
Ele estava falando em perseguição; da máfia, que queria
obrigá-lo a cumprir agendas do interesse dela, que que-
riam, eventualmente, tomar o estúdio Electric Ladyland
e coisas desse tipo. Ela ficou muito assustada e passou
este susto pra nós. Quando soubemos da morte dele está-
vamos ainda vivendo o impacto desta informação.
Brasileiros - As vésperas de sua partida para o exilio, você
passou a se aproximar do músico suíço Walter Smetak
que, durante o período em que lecionou na Universida-
de Federal da Bahia, tornou-se uma espécie de guru de
Tom Zé e Caetano Veloso. Quando voltou, esta amizade
extrapolou a questão musical e enveredou por interesses
místicos. Como se deu o envolvimento de vocês?
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