Aos 82 anos, a alemã na
turalizada americana Ju
dith Malina é uma lenda
do teatro experimental dos anos 60. E ainda hoje a lider
do Living Theater, grupo que fez história naquela de
cada, misturando ousadia, protesto, experimentalismo
e psicodelia. Ao lado de Julian Beck, seu primeiro ma-
‘O mundo deve a 68'
Diretora do Living Theater diz que mantém a anarquia, a liberdade e o experimentalismo
ENTREVISTA
Judith Malina
Maria Martins
Correspondente.
NOVA YORK
O GLOBO: Qual a sua lembran
a da parceria do Living Theo
der com o grupo Oficina
JUDITH MALINA: O trabalho
que fizemos no Brasil com o
Oficina folum desastre Opals
vivia numa ditadura militare
nlo era possivel fazer um te
tro livre, verdadeiramente a
dical e experimental no Brasil
daquele tempo. O Teatro Ofici-
na havia sido atacado em
1967. por causa da montagem
do "O rei da vela", e José Celso
Martinez Correa passou uma
temporada em Paris. Eu e Ju
lian Beck conhecemos José
Celso em Paris. Fol quando ele
nos convidou para ir ao Brasil
e fazer um trabalho em parce
ria. Passamos um ano e melo
no Brasil. Plzemos teatro de
rua, fizemos teatro
em favelas,
e fomos ao festival de Ouro
Preto.
• Vocês moraram em Ouro
preto, ndo?
MALINA: Vivemos um tempo
em Ouro Preto porque nos
apaixonamos pela cidade. Mas
a policia politica estava nos vi-
glando, e nos acabamos todos
presos pelo Dops. Passamos
quase 20 dias na cadeia. Eu e AINDA EM ATIVIDADE, Judith Maina trabaha na montagem de uma peça sobre a lo que criou o universo
Julian fomos poupados da tor-
tura porque éramos estrangel pação da plateia. Era um tea um estudante interessado em brir de onde vem esse prazer
ros, e muito intelectuals ame tro anárquico e muito politico, teatro, e velo depols morar em com a violência. Obviamente
ricanos e europeus protesta O Living Theater era um grupo Nova York. Temos também a
ram contra a nossa prisão de 15 atores, multos brasilel Natália uma atriz e pesquisa: clusividade da sociedade bre.
o sadomasoquismo não é ex
Mas os brasileiros que traba- FOs, que trabalhava um teatro dora de teatro que velo mais sileira. Mas fol a partir dessa
lhavam conosco foram todos politico, experimental e anar tarde para trabalhar aqui em experiência
brasileira que pas
torturados, com choques ell- quista. Fomos presos e tive Nova York. Nossa conexão samos a pesquisar o sadoma
tricos. Nos ouviamos os gritos mos um Julgamento terrivel com o Brasil ainda é forte
na prisão. Minha lembrança até sermos expulsos do pais.
soquismo como parte de uma
estrutura social profundamen-
daquela época é terrível Eles nos acusaram de consu Como essa experiência no te autoritaria
.
mo de drogas, mas o alvo era o sileira modificou o trabalho
teatro que a gente fazia. do Living Theater depois dos você voltou ao Brasil?
anos 607
MALINA: Sim, a convite de R
• Ainda hd brasileiros no seu MALINA: Quando voltamos th Escobar. Tenho que dizer
grupo hoje?
desenvolvemos um trabalho que adoro o Brasil, tenho mul-
MALINAi Sim. Um deles, Ilion, sobre o sadomasoquismo, que to carinho pela gente brasilel
Juntou-se ao Living naquela fol Inspirado na experiência ra. Minha experiencia durante
época. Ele era muito jovem, da tortura. O nosso teatro era ditadura fol tenebrosa, mas
perimental mergulhou numa ndo me impediu de continuar
pesquisa sobre esse prazer - a admirar a gente brasileira
dico dos torturadores e dos Há muitas contradições nas
espectadores desse tipo de es ciedade brasileira que apon
petáculo. Uma sociedade vio tam para uma vontade del
lenta como a brasileira tem berdade.
um elevado grau de sadoma.
soquismo na policia que cos-
tuma torturar até hoje, no po
blico que gosta de enredos
rido e diretor no Living Theater, ela visitou o Brasil e
trabalhou em parceria com o Teatro Oficina em fins dos
anos 60. A parceria está na origem dos primeiros tra-
balhos de criação coletiva no teatro brasileiro, Judith
Malina foi presa no Brasil, escreveu um diário da prisho
e val lançá-lo, em junho, na forma de um livro, como
patrocinio da Secretaria da Cultura de Belo Horizonte
Sarah
The New York
Hoolam exto?
MALINA: Também não. Nós
não podiamos trabalhar com
um texto previo porque ele te
ra que ser submetido à Cen-
sura brasileira. Mas, ao mes
mo tempo, não queriamos
"O trabalho
simplesmente Improvisar. En que fizemos
to a gente fazia algo Interme
dlarlo nos tinhamos um rotel
ro de cenas, e essas cenas con
no Brasil
vidavam o público a Interagir
com os atores. Assim, os dis
logos eram improvisados, mas
nós sablamos aonde queria-
mos chegar. Era o que a gente
chamava de teatro de acho",
algo que vinha da experiência
dos festivals de 1967 e 1968
de espetáculos com a particl-
"Todos
queríamos
mudar o
mundo, e
acho que
conseguimos"
De uma família judia de origem polonesa, ela velo pa
ra Nova York aos 2 anos. Fol casada com Beck até sua
morte, em 1985, e depois casou-se com outro diretor
do Living, Hanon Reznikov, recentemente falecido.
Nesta entrevista, ela faz um balanço do experimen-
talismo no teatro, fala da passagem pelo Brasil e con
fessa sua fidelidade ao ideal anarquista de 68
• Mas as manifestações de
rua contra a Guerra do Iraque
ndo êm hole a dimensdo que
Tinham contra a Guerra do
Viemnd.
MALINA: Isso tem a ver com a
convocação. Antes, os jovens
eram convocados para a
com voluntarios. As forças
guerra. Agora, a guerra é feita
da repressio mudaram, elas
Ideals de liberdade e de anar-
têm outra estratégla, mas os
quia dos anos 60 ainda esto
vivos. Os anos 60 foram a de
cada de ouro do experimen.
talismo, especialmente no
teatro
remontamos recentemente • Aos 82 anos, voce continua
uma peça que marcou o Ll com as mesmas ideias de 40
ving dos anos 60. "The brig" anos atrds....
sobre a Guerra do Vietna. MALINA: Ainda bem! O segre
Acho que o teatro dos anos do da Juventude para mim é
60 fol revolucionario nos mu- a liberdade. Jamais entrel
damos tudo, a relação entre o numa academia de ginástica
palco e a platéia, entre o texto e fumel até o fim do ano pas
e os atores, entre os atores e sado. O meu exercicio coth
a direção do espetáculo. Tu diano é a criatividade tea.
do passou por uma tremenda tral, que exige multo preparo
revisão naqueles anos, e nada fisico e espiritual, Voce
tem
jamais voltará a ser o que era que estar ahest voce tem
antes dos anos 60. A remonto mentar o novo quando faz
a o que estar aberta para experi
gem dessa peça agora, num teatro de verdade. Tem que
momento em que discutimos aprender a não controlar a
a Guerra do Iraque mostrou cena, a Interagir com o públl
o quanto o teatro que fazia- co, com a espontaneldade,
mos nos anos 60 era atual. É com aquilo que aparecer no
claro que houve tragédias em momento da cena. E tive
1968, como os assassinatos sempre a sorte de ter um ma
de Martin Luther King e de rido para me manter Jovem
Bob Kennedy, mas nada nun Julian folum companheiro
ca mais se comparou ao espf- maravilhoso e, depois dele,
rito revolucionário daquela Hanon me manteve Jovem e
época. Todos queriamos mu feliz.
dar o mundo, e acho que con
seguimos. O mundo de hoje
deve muito a 68
os arquivos do Living
Theater?
MALINA: Vendemos tudo no
mês passado para a Universi-
dade de Yale. Fotos, progra-
mas, cartas, críticas, ensaios.
material de ensalo, escritos
para teatro... HA multos ma-
nuscritos delxados por Julian
Beck que jamais foram publl-
cados. Foram mais de 50 cal
pertence a Yale. A nossa anar
xas de material. Agora tudo
gula entrou para a universide
de. Imagine!
. Vocês es do ensaiando um
novo expediculo?
MALINA: Estamos. É em torno
de um texto de Edgar Allan
Poe sobre a criação do mun
do, ou seja, sobre o Big Bang, a
grande explosão inicial que
mos convidar o público a par-
criou todo o universo. Quere
ticipar dessa explosão da cria
ção. Nós não separamos palco
e platéia.
. E como é possível levantar
dinheiro para as produdes?
MALINA.
Nós não temos ajuda
de governo algum. Fazemos
várias atividades para levan-
tar dinheiro, trabalhamos com
produces multo baratas, e
muitos dos atores têm outros
empregos para poder sobrevi Theater uma escola de tea
Por que no hd no Living
ver. Continuamos lutando com
tro?
dificuldades parecidas com as MALINA: Eu nunca quis ter
que tinhamos 40 anos atrás, uma escola de teatro porque
mas não vamos jamais abrir nós não temos um método
mdo da anarqula, da liberda: Ainda estamos pesquisando, e
de, do experimentalismo, cada peça é diferente da outra.
Nós não temos método, acre
.
ditamos na criação como um
processo vivo. Acreditamos
com o Oficina violentos e na sociedade que MALINA Sim. Ficamos muito MALINA: Claro que simlo te que cada peça inventa o seu
mals sablos nesse experimen- tro tem que ser politico, om- proprio método de apresenta
numa escala cada vez malor, o talismo teatral. O grupo se diximo que puder ser. E anar-
que há de mais politico no tea vide entre os
EUA, a Aleme quista, claro. Quanto mais sempre mudando o trabalho,
cao, de modo que estamos
tro que podemos fazer é a re nha e a Italia. Temos hoje três anarquista for o teatro, mas sempre buscamos alguma col-
flexão sobre o sadomasoquis centros de pesquisas em pa
mo. Fazemos experiencias tea ses diferentes, trocando ex hirio será. A politica tradicio
sa nova, que jamais fizemos
trals com a platéia para descoperiências. Aqui nos EUA, nós nal no me interessa.
• Living Theater tem hoje
um trabalho muito diferente
do que fazia nos anos 60?
Você ainda acredite no te
tro polico?
foi um
desastre"
antes. Quero continuar
mu
dando sempre