Diversidade das Expressões Cultu-
rais, que exclui a cultura das regras do
comércio internacional. A convenção
foi aprovada em Paris, em 2005, pela
Unesco (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura), por 148 países. Apenas
Estados Unidos e Israel votaram con-
tra. A convenção é uma espécie de
Protocolo de Kyoto da cultura
uma comparação feita, na época, pelo
próprio Gil. Permite que os paises uti-
lizem as ferramentas necessárias para
defender suas culturas, sem que sejam
acusados de protecionistas.
A gestão Gilberto Gil foi, sem dú-
vida, a que trouxe mais atenção para
o Ministério da Cultura. Criado em
1985, era até então um apêndice do Mi-
nistério da Educação. Com a chegada
do artista, a pasta ganhou dimensão
nacional e internacional. Há quem diga
que ele misturou as coisas, tendo sido
mais um ministro-showbiz do que um
político, mas essa é uma análise rasa.
Nos primeiros meses no governo, era
comum que a cada discurso ouvisse
pedido em coro da platéia: "canta,
canta, canta!"; nos últimos anos, em
um show em Brasília, já ouvia um re-
frão diferente: "mi-nis-tro, mi-nis-tro,
mi-nis-tro!". O político se sobrepôs ao
artista. Inverter essa relação foi a jus-
tificativa que ele deu ao pedir para sair,
repetidas vezes, tendo sido finalmente
atendido em julho. Mas não escondeu,
na entrevista em que explicou
deci
são, que lastimava não ter dinheiro
para realizar ações. "Acho que a gente
podia ter tido um orçamento mais ge-
neroso. As dificuldades com as
governamentais e o superávit primário
(economia que o governo faz para pagar
juros da dívida] fizeram com que não
tivéssemos atingido 1% [do orçamento
da União), que era nossa meta e o reco
mendado pela Unesco." Ele conseguiu
chegar a 0,6% em 2007, de 0,2% que
recebia em 2003. De um jeito ou de ou-
tro, é pouco. O que fica e o que vai com
o artista é uma questão pertinente. O
legado que ele deixa, em uma perspecti-
va histórica, só o tempo mostrará. Mas
sua saída deverá manter os rumos indi-
cados por ele, até porque a equipe que
fica é a mesma. O braço direito, desde o
primeiro momento, foi justamente Juca
Ferreira, sucessão natural dentro do
gabinete. Nos últimos meses, já era ele
quem comandava quase tudo.
OÃO
LUIZ SILVA FERREIRA, MAIS
conhecido como Juca, é ami
go antigo de Gil. É sociólogo
formado pela Universidade de
Sorbonne, na França, que cursou
enquanto estava exilado. Nascido
62 ROLLING STONE BRASIL, SETEMBRO 2008
POLÍTICA NACIONAL
em Salvador, em 1949, filho de pai
politizado, tornou-se secretário de
agremiações estudantis de esquerda
e ingressou, inclusive, no MR8 - or
ganização que ficou famosa pelo se-
questro do embaixador norte-ameri-
cano Charles Burke Elbrick em 1969,
durante os anos de chumbo, e que
tinha em suas fileiras figuras como
o atual ministro Franklin Martins e
o deputado Fernando Gabeira. Juca
Ferreira, vivendo então em Salvador,
não participou da operação no Rio de
Janeiro, mas esteve em outras ações
armadas. Conta que, apesar disso, foi
um dos primeiros a defender dentro
ar-
do movimento o abandono
mas. "Não tinhamos condições histó
ricas." Em uma reportagem da revista
O Cruzeiro, foi colocado como um
dos “100 terroristas mais procura
o exílio no Chile, com ajuda de um
outro subversivo, Nilmário Miranda
ex-ministro dos Direitos Humanos.
"Vivi
numa favela perto de Santia
Ferreira trabalhou em projetos so-
ciais como o SOS Chapada Diaman-
tina, foi assessor cultural da Bahia
por sete anos, vereador duas vezes,
secretário de Meio Ambiente de Sal-
vador. Enfim, tornou-se um homem da
política. "Conheci Gil quando ele equis
ser
candidato a
O PMDB não deixou e e sugeriu que
ele fosse vereador, mas eu disse que
ele ia ter que ter muita paciência para
trabalhar como
2003, Gil vira ministro. E Juca Ferrei-
ra vai para
Brasília.
E Gilberto Gil comandou uma gui-
nada no ministério: chamou para site-
mas que interessavam diretamente a
outros ministérios, como a TV públi-
ca, a discussão sobre o direito autoral
e a redefinição das regras para incen-
tivo fiscal à cultura. Mas as equipes
do MinC também recriaram o movi-
mento de cineclubes, quase desapare-
cido; espalharam pelo pais centenas
de Pontos de Cultura (responsáveis
por articular e impulsionar ações já
existentes nas comunidades), talvez a
marca principal da gestão, espaço que
combina cultura, lazer, convivencia
social e acesso à internet, tudo den-
tro de uma perspectiva de liberdade
com software livre nas máquinas;
mas também desenvolveram, dentro
do próprio ministério, programas
gratuitos (também em software livre)
que poderão ser usados por todo o
governo: o sistema Xemelé (aportu-
guesamento de XML, a programação
usada), que é um modelo aperfeiçoado
do sistema Wordpress, capaz de gerar
portais de
maneira tão simples quan
to fazer um blog; rediscutiram o con-
ceito de patrimônio cultural do Iphan
(que levou ao tombamento do acarajé,
por exemplo) e criaram o Fundo Na
cional de Cultura, entre outras ações.
Nenhuma dessas tarefas está con-
cluída quando Gil passa o bastão
para Juca Ferreira. Algumas brigas
compradas pelo MinC foram perdi-
das de maneira estrondosa, como foi
o caso da Ancinav (Agência Nacional
do Cinema e do Audiovisual, proje-
to do governo para regular cinema
e televisão). Sob acusações de diri-
gismo político, stalinismo e outros
palavrões, o projeto foi engavetado.
nativos, um médico macrobiótico, um
físico crítico da energia nuclear. To-
dos tinham uma linha radical." Foi ali,
segundo ele, que foi ganhando "régua
e compasso" diferenciados. Anuncia-
da a anistia, foi para Paris terminar
sua formação e voltou ao Brasil. "No
avião, jurei para mim mesmo que nun- A posteriori, juca Ferreira avalia que
ca mais ia me meter em política. Mas
"não
se enfrenta uma divergência
a indiferença é muito difícil, a
I, a miséria com estruturas poderosas como
sistir até 1988. "Fui percebendo que prar jornal. Quando você chega com
se
a política podia ser exercida e me filiei
ao Partido Verde. Recuperei um vin-
culo com a política com caracteris-
ticas totalmente diferentes daquela
que tinha antes.
a proposta de lei, antecipa o combate
final, o bem contra o mal, a batalha
definitiva. Mas agora é passado, ago
ra até estão pedindo a regulamenta
ção. O que se aventava naquela épo-
A proposta era tirar do Brasil todo
mundo que estava com cartazes de
procura-se' e mandar para o exilio.
Estávamos cercados e sendo dizima-
dos. Muita gente morta, desapareci-
da. Saí de la depois do golpe contra o
[presidente chileno Salvador) Allen-
de" (derrubado com apoio dos
Estados
Unidos, culminando na ditadura do
general Pinochet).
Quando as ditaduras viraram moda
na América Latina, Juca Ferreira to-
mou outro rumo: a Europa. "Quando
cheguei à Suécia, era outro rock'n'roll
nas ruas: os punks. Eles diziam: 'Não
ouçam os burgueses, e os burgue-
ses eram meus ídolos, os Beatles, os
Rolling Stones." Virou trabalhador
braçal: auxiliar de cozinha, auxiliar
de trânsito, estivador, garçom, office
boy
um coletivo de suecos malucos alter-
“Não conseguimos criar o mecenato
no Brasil. Criamos o mecenato em
que a empresa que se associa, em vez
de meter a mão no próprio bolso,
mete a mão no bolso do governo”
BRAÇO DIREITO
O"então" Secretário
Executivo do Ministério
da Cultura, Juca Ferreira,
anuncia o resultado de um
edital do Minc ao lado do
"então" ministro/cantor
Gilberto Gil (2007)