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Documents from Gilberto Gil's Private Archive

Instituto Gilberto Gil

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Brazil

  • Title: Documents from Gilberto Gil's Private Archive
  • Transcript:
    barbear, leite condensado-só besteira. Experimentou a poltrona várias vezes antes de comprá-la", entrega. Pelotense tresloucada de olhos azuis-orbitais, Ivone fala do relaciona- mento com o marido. Seu jeitão "meio maluca-para-quem-não-conhece" foi das coisas que, de cara, chamou a aten- ção do quieto observador Donato que na rubrica amor não é marinheiro de primeira viagem. Foi namorado de Dolores Duran. Ela costurava os seus pijamas e morreu no mesmo dia em que ele embarcou para os Estados Unidos. Lá, engraçou-se por Patrícia, mulherão de quase 2 metros, atriz e filha de lati- nos, com quem teve a filha Jodel. Fica ram juntos sete anos. Casou-se depois com Ana Maria, uma das mulatas do Sargentelli. Nasceu Joana. O matri- mônio com Leila, mulher presenteada com mais de 30 canções (entre as quais "A Paz" e Leilíades, álbum gravado em 1986), foi o mais conturbado. Ivone e Donato se conheceram em Brasília. Ele foi lançar o songbook orga- nizado pelo músico Almir Chediak (as- sassinado em 2003). Ela, acompanhar uma amiga que preparava reportagem sobre "o mito da bossa nova". Em ple- no show no Carpe Diem, Donato mala avistou e não se fez de rogado: abando- nou o piano, foi à mesa e tascou-lhe um beijo na boca, relembra a mulher. Foi amor à primeira vista. No primeiro encontro, em dezem- bro de 1999, o experiente coração não segurou a emoção do novo amor e teve um infarto. Passou dez dias no Hospi- tal de Base de Brasília. Em retribuição à atenção de médicos, enfermeiros e pacientes, após ganhar alta, deu um show no auditório do hospital. A casa de Donato esconde musicali dades sortidas em cada canto: o som do piano, o piar da natureza. No quintal, o calopsita Elvis assovia a linha meló- dica de "Bananeira" para os passan- tes - ensinada por Donato. Há anos imemoriais não muda hábitos. Sempre disposto, as horas ao piano são à noite. Ao largo do dia, o descanso. Na inti- midade de um dos mais altos espíritos da MPB, decodificador da bossa nova, visionário da discoteca, "o homem que levou o Acre mais longe", à noite a casa recolhia-se para dormir - menos Do- nato. Madrugada adentro, ao piano, dedilhou amenamente seu Debussy. Muitas dessas histórias a cineasta Te- té Moraes vai rodar no documentário Simplesmente João Donato, em fase de captação de recursos. "Será revelada a chave do pensamento musical donatea- no: as pinceladas sinfónicas, a imersão na salsa, a fusão do partido alto com a bossa, o flerte constante com o jazz", enquadra a diretora. Ela conta que o projeto nasceu do desejo, expresso pe lo artista, de assistir sua vida adaptada à linguagem cinematográfica. O filme parte de sua primeira composição, aos 6 anos, no Acre. Navega por sua explo- são de genialidade criativa, no Rio de Ja- neiro, e deságua na consagração inter- nacional. Os parceiros Caetano, Chico Buarque, Gal Costa, Henri Salvador, Joyce, João Gilberto, Nana Caymmi e Paulo Moura dão seu testemunho. Nasci para Bailar: João Donato ao Vivo em Havana é outro projeto de Tete Mo- raes - e realização de antigo sonho de João, que há tempos queria registrar um álbum ao vivo com músicos cubanos. O material foi gravado no Festival In- ternacional de Jazz Plaza, em Havana. Em duas apresentações, Donato fez uma jam session como pianista Chucho Valdés. Os shows em Cuba antecede- ram a renúncia de Fidel Castro, que retirava-se da presidência após 49 anos no comando. O brasileiro estampou os jornais cubanos do dia 15 de fevereiro; e a carta de Fidel foi assinada no dia 18- embora a notícia tenha saído na edição especial do dia seguinte. Por isso, antes mesmo de ser lançado, Nasci para Bailar já é gravação histórica. E NTRE OS PARCEIROS MUSI- cais de Donato, Clifford Everett "Bud" Shank po- de ser considerado um dos mais significantes. Recém-chegado aos Estados Unidos, o acreano fazia périplo pelas gravadoras tentando emplacar sua música pouco aceita no Brasil. Acabou na Pacific Jazz, on- de foi recebido pelo diretor musical Richard Bock, que dele gostava por tê-lo ouvido no álbum João Donato e Seu Trio Muito à Vontade (1962). Bock se encontraria com Bud Shank, artista contratado da Pacific Jazz, pa- ra tratar da gravação de novo disco e prometeu que mostraria a música de Donato ao saxofonista. "Shank gos- tou tanto que marcou uma gravação inteira com as minhas composições" conta Donato. Bud Shank & His Bra zilians Friends é o álbum resultante desse encontro: "Desde a escolha do repertório, tudo foi feito por Dona- to", escreve Shank na contracapa do disco. Em seguida, fizeram uma série de apresentações por São Francisco "Foi quando as portas dos Estados Unidos se abriram para Donato",con- textualiza o músico norte-americano. O cantor Henri Salvador, francés nascido na Guiana Francesa, tinha forte ligação com o Brasil. Sua canção "Dans Mon Ile", de 1957, segundo catedráticos, teria influenciado Tom Jobim na génese da bossa nova. Seu último álbum antes de morrer, Révérance (2006), foi arran- jado por Jacques Morelenbaum e teve a participação de Donato. "Quando Henri me procurou, que rendo dar sabor brasileiro ao disco, imediatamente pensei no sotaque musical de Donato", ilustra Morelen- baum. "Conclui que seria a escolha perfeita para o disco, além de deliciosa oportunidade de conviver e aprender com ele." Próximo dos 90 anos de ida- de, Salvador declinou de vir ao Brasil para fazer a gravação das bases de Ré vérance. Sabendo da maestria de Do- nato e confiando na reputação de Mo- relenbaum, o músico francês deixou a responsabilidade nas mãos dos dois só apareceu no estúdio mais tarde, nas gravações das partes orquestra- das com cordas e sopros. "As sessões foram enormemente ricas, pois a cada passada das canções, novas pérolas se criavam -e Donato, com o desprendi- mento dos verdadeiros genios, estava sempre pronto e disposto a experimen- tar”, lembra o regente. Porém, de todos os músicos com quem tocou, Donato descreve Chet Baker como um dos mais afáveis. Os dois se conheceram nos nigthclubs de Los Angeles nos anos 60. Bakero tinha visto uma noite qualquer, conta Dona- to. "Um bom menino", comprova. Na época, admite, seu conjunto era ruim, a ponto de o gerente do Clube Trident, em Salsalito, dizer-lhe: -"Puxa, esse trio está horrível!" E sugeriu: - "Você não conhece nenhum jazzista para botar na banda?" - "Conheço, sim: Chet Baker", res- pondeu Donato. O grupo foi reformado para apresen- tar Chet, convidado especial . "A gente tocava coisas dele e nossas, brasilei- ras", dedilha o pianista. Anos antes, trompetista conhecera fama e tornara- se mito com “My Funny Valentine" - que, recorda Donato, interpretaram nas poucas datas em que tocaram juntos. Não durou muito: "Certo dia, Chet apareceu ensangüentado no ho tel. Dentes quebrados, dizia ter sido agredido na Broadway Street. Intro- vertido, falava pouco e desaparecia. As pessoas me perguntavam: 'Cade Chet?' Todos os dias, a mesma dúvida: apare- ceria ou não? Nunca mais apareceu e esse foi o fim da história". ROLLING STONE BRASIL, JUNHO 2008 85
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