"Há também as teves públicas multina-
cionais, como a Telesur e a Televisão Cul-
tural Ibero-Americana", diz.
O
Brasil, que na década de 30 fez a op-
ção pela exploração comercial da radiodi-
fusão, nunca contrapôs a esse sistema um
espelho público, ao contrário da Europa
ou dos
Estados Unidos (quadro ao lado). A
produção cultural independente, por
exemplo, sempre sofreu para ser exibida
por causa disso. Na TV Brasil, começaram
a ser veiculados programas do DOC-TV e
filmes brasileiros que não encontram lu-
gar na teve aberta.
A única tentativa efetiva de se aproxi-
mar desse modelo público aconteceu na
TV Cultura de São Paulo, mantida pela
Fundação Padre Anchieta, criada em 1969.
Mas o objetivo jamais foi alcançado de fato.
Década após década, não houve presiden-
te que assumisse o comando da emissora
sem a bênção do governo do estado de São
Paulo, dono das chaves do cofre onde fica
guardado o orçamento da tevê. E, nas de
mais emissoras estaduais, a ingerência cos-
tuma ser ainda mais descarada.
Mas, para além das questões da cober-
tura jornalística, o que seria a base de
uma tevê pública? "Antes de tudo, teve
pública é tevê, é isso que todo mundo co-
nhece. O que temos de mudar é o papel
do espectador", pontua Orlando Senna.
"Nosso espectador tem de sair da passivi-
dade e caminhar para a interatividade.
Queremos formar um espectador cida-
dão e não um consumidor."
EXEMPLOS DE FORA Na Europa e nos EUA,
modelos diferentes e resultados semelhantes
P
rojeto jamais realizado no País, a tevé
pública é uma realidade nos EUA. Na
Europa, sempre vigoraram os canais
estatais. Os maiores exemplos são a brita-
nica BBC e a italiana RAI. Ao contrário dos
EUA e do Brasil, as teves privadas só ganha-
ram espaço na Europa a partir dos anos 80.
"Nos EUA, o sistema público só foi criado
por lei no fim dos anos 60. A primeira rede, a
PBS, começou a operar em 1970", diz Mauro
Porto, professor de comunicação na Tulane
University, em New Orleans. "Houve, então,
o reconhecimento de que o modelo comer-
cial não dava vazão a uma diversidade de
conteúdo e de que uma rede pública serviria
para dar maior pluralidade à comunicação."
ESPAÇO PARA CRIAR. O cineasta
Loach começou a carreira na BBC
A PBS reúne mais de mil emis-
soras educativas, universitárias e
comunitárias e umarádio. O gover-
no financia uma pequena parte dos custos,
de 300 milhões de dólares por ano. "Com a
ascensão dos republicanos, nas eras Rea-
gan, Bush e Bush Jr., há uma ofensiva contra
o que os setores conservadores consideram
um viés esquerdista, crítico", diz Porto.
"Em 2007, o presidente Bush tentou cortar 50
milhões de dólares do orçamento da PBS e
o Congresso rejeitou. Há uma tentativa cla-
ra de mudança de linha editorial e esvazia-
mento do financiamento. A audiência da ra-
dio tem crescido, mas a tevé pública está
num momento de crise, com indices de au-
diência muito baixos." O restante de recur-
sos é recolhido, com dificuldade crescente,
de doações individuais e de fundações. "A
tevê está cada vez mais parecendo com
uma rede comercial tradicional, tem muita
propaganda disfarçada de patrocínio"diz.
No Canadá, a CBC é financiada pelo go-
verno, com um orçamento médio de 1 bilhão
de dólares canadenses por ano. Recente-
mente, foi autorizada a veicular publicidade
para ajudar a se financiar. A programação é
considerada de alto nível, e os índices de au-
diência, em 2005-2006, eram de 7.5% na
versão em inglês e de 20,6% em francês.
Na Europa, em geral, os contribuintes par-
ticipam do financiamento das teves públi-
cas. O cidadão com teve em casa paga taxas
anuais de contribuição para a manutenção
do sistema público. Mas, apesar de existir
em outros países, foi na Inglaterra e Itália que
ela adquiriu maior relevância cultural. Inicial-
mente focada em programação educativa, a
RAI foi, no pós-Segunda Guerra Mundial, por
exemplo, instrumento importante na cons-
trução de uma linguagem comum, nacional,
entre os dialetos existentes na Itália.
Única rede do Reino Unido até 1955, a
BBC manteve, mesmo após o advento da
tevê comercial, o impacto sobre a socieda-
de britânica, com programação de referên-
cia em documentários, jornalismo, filmes,
música e entretenimento. Na dramaturgia,
o arco vai desde o grupo humorístico
Monty Python ao cineasta Ken Loach.
CARTACAPITAL 14 DE MAIO DE 2008 61