CLIENTE: Gilberto Gil
VEÍCULO: A Tarde - Salvador
CLIPPING SEÇÃO: Opinião
SERVICE DATA: 24/02/2007
VITOR HUGO SOARES
A guerra da Quaresma e a paz de Tutu
Encerrada a folia nas
ruas e camarotes do
Carnaval de Salvador,
que produziu fatos,
boatos, disputas e es-
cândalos com poder
de fogo para no mini-
mo mais um mês de
ouriçada polêmica, a Bahia está conflagra-
da neste princípio da Quaresma. E, para os
cristãos, tempo dejejum e meditação, pre-
paratório para a celebração maior do cris-
tianismo -a Ressurreição de Jesus. Mas,
com política, disputas de poder e egos in-
flamados no meio, em lugar do recolhi-
mento o que se vê é guerra, aberta ou in-
cubada, na terra de Gregório de Mattos.
O inflamado governador Jaques Wag-
ner (PT), por exemplo, nem esperou pas-
sar o efeito do último dia de farra carna:
valesca no Camarote 2222, do ministro
Gilberto Gil-porto seguro de políticos, au-
toridades de primeiro escalão, que falame
viajam movidos a combustível que não
vem da Bolívia, mas dos canaviais, ao lado
de celebridades em geral. De lá mesmo, na
preserca dos governadores do Rio de Ja-
neiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), e de
Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), o
petista abriu duas frentes de guerra de
causar inveja até em George W. Bush: a pri-
meira, contra o arcebispo de Salvador e
cardeal primaz do Brasil, D. Geraldo Ma-
jella, ao dizer que atualmente até a CNBBé
favorável à transposição das águas do Rio
São Francisco. A segunda, contra a Rede
Globo, ao acusar o jornalismo da emissora
de deformar notícias sobre o aumento da
violência no Carnaval baiano 2007, o pri-
meiro da administração petista.
Wagner nem deu bolas para os conse-
lhos do bispo anglicano da África do Sul,
Desmond Tutu, Premio Nobel da Paz e o
mais famoso visitante do espaço VIP da fo-
lia de Salvador este ano, ao lado do legen-
dário maestro Quincy Jones. Combatente
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VITOR HUGO SOARES I Jornalista, é editor de Opinião de A TARDE. E-mail: vitors.h@uol.com.br
da primeira hora de luta que derrubou o
apartheid em seu país, o bispo se entrega
com a mesma disposição ao combate à
Aids, novo flagelo que se expande nos paí-
ses africanos, e segue inabalável como in-
fluente emissário da paz e enérgico defen-
sor da igualdade racial. Mas passou à mar-
gem da cobertura da Globo neste Carnaval
e quase sem ser visto também pelos jor-
nais, blogs e emissoras de TV em geral, sal-
vo o Papão de A TARDE, a Band e o Portal
IG. Estes viram e ouviram o ganhador do
Prêmio
Nobel sem a sua famosa batina em
pleno Circuito Barra-Ondina, na frente do
Camarote 2222 e a poucos metros do Cris-
to da Barra
Passageiro de transatlântico fundeado
na capital baiana no último dia de farra,
Desmond Tutu soube da presença do ar-
tista na cidade - Gil compôs inspirado na
atuação do bispo africano a "Oração pela
Libertação da Àfrica do Sul", uma de suas
músicas mais contundentes-e quis abra-
çar o amigo no meio da folia. Aproveitou
para aplaudir a alegria e a mistura racial da
festa baiana; pediu um olhar solidário pa-
ra a África e gritou contra a violência. Fez
mais: enquanto o artista ao seu lado can-
tava à capela no meio da rua "Se o rei Zulu
já não pode andar nu, salve a batinado bis-
po Tutu", o religioso sorria e ensaiava uns
passos parecidos com os das memoráveis
passeatas dos anos 80 em Johanesburgo e
Soweto.
O governador aparentemente não viu -
nem soube - de nada disso. Aliás, até o
principal representante da Igreja Anglica-
na na Bahia só ficou sabendo da presença
de Desmond Tutu nas ruas da capital baia-
na quando ele já navegava de novo no na-
vio além da barra da Baía de Todos os San-
tos. Enquanto isso, o atiçado Jaques Wag-
ner apontava sua metralhadora giratória e
atirava na Rede Globo de Televisão, acusa-
da de passar para o País a idéia de que o
Carnaval de Salvador está mais violento.
No fogo da hora, o governador da Bahia
prometeu até mandar uma carta formal de
protesto, mas provavelmente depois de
ver as imagens de outras emissoras e con-
sultar os dados da própria polícia esta-
dual, desistiu da idéia. Ontem afirmou que
fará o protesto pessoalmente na próxima
ida ao Rio de Janeiro.
Em outra entrevista, o governador já
havia mexido com o presidente da Confe-
rência Nacional dos Bispos do Brasil, D.
Geraldo Majella. Favorável ao projeto de
transposição das águas do Velho Chico do
governo federal - ao contrário do anteces-
sor, o geólogo Paulo Souto, inimigo da
idéia - o governador argumentou: "Hoje
até a CNBB é a favor". Um indignado dom
Geraldo desmentiu Wagner e deu apoio
aos movimentos em
Brasília do bispo Luiz
Cappio, famoso pela greve de fome em Ca-
brobó (PE) em defesa da integridade e re
vitalização do rio. É tempo de meditação,
mas a guerra da Quaresma promete.