CAPA
Uma pessoa, um universo erótico
"N osso
casamento dura porque há muito afeto. A gente
tudo junto. Há lealdade e necessidade um do outro. A
gente sente que sem o outro não opera. A fonte do prazer
tem que jorrar. E importante ter projetos juntos. A Flora
participa muito do meu trabalho, somos muito unidos. Quan-
do essas coisas deixam de existir, a fonte de prazer seca.
Acho que o casamento é uma forma de eleição. Você
elege aquela pessoa para representar o todo, o universo
erótico, as suas fantasias. E você tem que ser parcimonio-
so. Admitir a vida toda contida naquela pessoa. No casa-
mento, há uma troca simbólica. Troca-se o simbolismo da
variedade pela qualidade. Você não precisa da superabun-
dância. Também tem
que aceitar as imposi-
ções do tempo. O tônus
muscular dela vai mo-
dificar e o teu também.
É preciso aceitar essa
mudança no tempo e no
espaço dos dois.
Acho que o casa-
mento é a busca de uni-
dade e ela, a unidade, passa a ser constituinte do seu
parceiro. E tem que estar sempre alimentando. Eu e Flora
nunca nos separamos e brigamos muito poucas vezes.
Acho que tem que ter humildade para superar as crises.
Eu digo sempre que os erros são meus porque, mesmo
que ela esteja errada, meu aborrecimento é um proble-
ma meu. Eu tenho que perdoar. Se você não souber amar
a pessoa mais próxima, como vai amar os outros?
Há períodos em que um está mais a fim de sexo do
que o outro. Eu tenho uma música que diz assim: "A
gente ama e o amor produz transformações. Novos de-
sejos vão tornando nossos beijos mais azuis, menos car-
mim." Porque uma pessoa de 56 anos tem que ter uma
performance de 26? Seria absurdo. O desempenho se-
xual exuberante vai dando lugar a qualidade. Para mim,
sexo tem que ser cada vez mais simples, mais inteiro,
penetrar na alma.
O pecado capital do
casamento é abandonar
a relação a dois. Os dois
têm que estar em tudo.
Não pode esquecer que
existe a unidade.
superados com a ajuda
dos dois. "Todo casamen-
to tem altos e baixos." O
médico Sérgio Bettarello,
do instituto de psiquiatria
da Universidade de São
Paulo, reforça a visão de
Teresa. Para ele, os ca-
sais que delimitam a im.
portância do casamento
O desempenho sexual exuberante
têm mais facilidade de dá lugar à qualidade. Sexo tem
que ser cada vez mais simples, mais
nio o lugar de realização inteiro, penetrar na alma 3
continuar juntos. "O pro-
Gilberto Gil
dividuais dos cônjuges.
Interesses e projetos
pessoais podem não ser atravancados
pelo casamento, mas a escolha de vi-
ver ao lado de uma pessoa implica
renunciar a outras relações. A filó-
sofa Terezinha e o jornalista Fernan-
do Rios, ambos de 55 anos, estão jun-
tos há 34 anos e nunca pensaram em
provar relacionamentos paralelos.
"Pode ser muito doloroso. E, se dei-
xamos de viver outras experiências,
temos a recompensa de poder ser to-
talmente abertos um com o outro, e
construir uma profunda intimidade",
avalia Terezinha. Seu marido atribui a
duração do casamento a um outro fa-
tor: "Quando casamos, dissemos que
não era para sempre. Tirar essa expec-
tativa foi ótimo pois a escolha não pre-
sume a eternidade", diz. "Outra coisa
é que administramos os contrários, sa-
bemos que nossos pontos de vista, di-
ferentes em vários assuntos, tornam a
relação mais rica", completa Fernan-
do. Ele gostar de música atonal e ela
de new age nunca os impediu de des-
frutarem juntos dezenas de prazeres
GILBERTO GIL,
56 anos, casado há
19 anos com Flora, 37.
como sair com os ami-
gos, conversar sobre tra-
balho e dançar. "Isso se
deve a um respeito mui-
to grande e a vários in-
teresses comuns", acre-
dita Terezinha.
Ao se falar de casa-
mento, há quem aposte
que a expressão "insti-
tuição falida" caia em
desuso no próximo sé-
culo. Para esperança ge-
ral, também têm surgi-
do ingredientes favorá-
veis à felicidade a dois.
Nos anos 90, a emanci-
pação financeira mais tardia dos jo-
vens, a mentalidade mais aberta que
não obriga a casar quem deseja ape-
nas sexo e afeto, além da própria
discussão da viabilidade do casa-
mento, têm favorecido escolhas e de-
cisões mais bem-fundamentadas.
"Por tudo isso, e principalmente pela
emancipação da mulher, não se casa
mais no automático", diz o psiquia-
tra Sérgio Bettarello.
Colaboraram: Gisele Vitória, Marta Góes
(SP) e Valéria Propato (RJ)
ISTOÉ/1532-10/2/99