Sábado, 7 de junho de 1997
Novidades do
Jaguariúna
Festival.
Bareback e Seadle Bronc
farão parte do rodeio
Página 12
“É preciso
ser tudo”
Gilberto Gil participa de debate na Unicamp, concede entrevista e faz
segunda apresentação de "Quanta" no Red
Fabiana Bruno e Gustavo Henrique Martinez
Especial
cantor baiano Gilberto Gil faz o seu segundo show no Red, em Jaguariúna hoje, as 22 horas. Numa
tentativa de aproximar a arte da ciência ele mostra para o público, que deve lotar a casa noturna, o seu mais
novo trabalho, "Quanta". Mais da metade do show que vai apresentar é de canções do novo disco, mas é
claro quer não vai deixar de tocar sucessos como "Palco". "Expresso 2222" e "Refavela".
O
Depois de Jaguariúna, Gil se apresenta em outras três cidades do interior de São Paulo: Santos, no dia 8,
Ribeirão Preto, 11 e 12 e São José do Rio Preto no dia 13. Em seguida embarca para a Inglaterra, onde inicia uma
turne pela Europa.
"Quanta" é o 57 disco de Gilberto Gil, desde que começou a compor na década de 60. O cantor fez o scu
primeiro contato com a música erudita contemporânea no Seminário de Música, dirigido pelo professor H. J.
Koellreutter e promovido pela Universidade da Bahia. Sua primeira música gravada foi "Bem Devagar", com o
conjunto vocal "As Três Baianas",
É em 1963 que Gil grava e lança dois compactos: "Gilberto Gil - sua música, sua interpretação", com quatro
canções de sua autoria; e um simples, com o samba "Decisão", também dele. Nesse ano, ele conhece Caetano
Veloso e as cantoras Maria Bethânia e Gal Costa
Em 64, os quatro, mais Tom Zé e outros músicos baianos fazem o show "Nós, por exemplo", que inaugura o
Teatro Vila Velha, de Salvador. O espetáculo é um marco no início da carreira desses artistas
Seu primeiro show individual, "Inventário", acontece quase um ano depois, com direção de Cactano, no Vila
Velha. Gil começa um novo capitulo de sua vida, seu ritmo de criação se acelera e novas parcerias surgem. No
mercado de discos lança os compactos "Procissão" e "Roda".
Era só o começo. Depois de mais de 30 anos. Gil é um compositor e cantor que está sempre abrindo novos
caminhos, trazendo novas sonoridades e mantendo-se atualizado. O sucesso continua e novas parcerias surgem.
Desta vez o CD "Quanta" traz Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown.
O Jornal de Jaguaritina & Regiao
participou de uma entrevista que Gil
berto Gil concedeu anteontem, wa rel-
toria da Unicamp, em Campinas. Bem
humorado, Gil falou dos anseios expos
tos nas letras da nova safra da Música
Popular Brasileira, sobre
a evolução do samba e
suas vertentes, sobre o
processo de criação de
"Quanta" e muito mais.
Veja os principais trechos
da entrevista:
Há duas semanas,
Djavan, num show em
Jaguariúna disse que
qualquer tendencia mu-
sical, que pode ser cha-
mada de moderna, tem
origem africana. Qual sua
posição quanto a afirma.
são?
Gil: É uma leitura possível
e justificável, porque se le
varmos em consideração que
a música popular
do mundo deriva, ba-
seia-se ou se refere à música america-
na à caribenha e à música brasileira,
percebe-se que a vertente negra, seja do
jazz, do blues, da nimba, do samba, está
nitidamente presente. Acrescenta-se a
isso, a emergência na própria África, a
partir de 20 anos pelo
menos, de uma música
cosmopolita e industri
al. Hoje nos países eu-
ropeus, e mesmo no Ja-
pão, ouve-se nas rádios
ritmos que nos modos
de pulsar, nos modos de
organização rítmica, ou
mesmo nos padrões
melódicos, sonoros e
timbragem em geral.
com muita percussão
que caracterizam um
internacionalismo" mu-
sical que justificaria a
afirmação
de Djavan.
"Quanta" é fruto de
uma nova consciência de pensamen-
to que surge com a nova era?
Git: O que se chama de nova era, que
é calorosamente acolhido por unsere
jeitada também tão calorosamente por
outros, é uma coisa que está no campo
de discussão dessas questões que per
correm o disco "Quanta", como o sen
timento de que hoje é preciso ser tudo,
porque quem seja menos do que tudo
ho está no seu tempo. Isso, sem divi-
da, é uma proposição que está dentro
do conceito holístico, que é causador e
justificador desse termo
nova era. Um conceito
em que as áreas e os
campos de conheci
mento do homem e a
linguagem e os modes
de interpretação sobre
a existência e a cria-
ção convergem para
um campo unificado,
digamos, para um
unicampismo(risos).
A arte e a ciência
vão em busca desse
todo?
Gil: Sim. Eu acho
que são dois tipos
de expresslo huma
na que se comple
cando aſ a questão política, a questão
económica, a questão religiosa, estão
na música modema. É só ouvir. Quan
do eu ouvia o Erd, eu me disse: meu
Deus do céu, que letra mais complexa.
A letra "Uma brasileira", do Calinhos
Brown, é de uma complexidade imen
sa. É tudo de tropicalia pra lá. (risos)
Como você vê o resgate de samba por
essa gente nova?
Gil: Não é resgate para mim. Em con-
versa com o diretor da rádio Cidade,
de São Paulo, sobre essa questão, ele
me dizia: "o brasileiro & binario". O
samba dois por quatro, que é a alma do
brasileiro, não morre. O sambódromo,
por exemplo, não fecha. Só abre uma
vez por ano, mas abre todo ano. Cada
ano mais cheio. Não tem jeito. O sam-
ba está se recuperando na Bahia. Tem
todo um movimento: Gera Samba (ri-
sos). Na mesma rádio escutei uma mu...
sica que misturava sertanejo com sam
ha, com pagode.
Você acha que isso é samba?
Gil: Acho. Tocou
tam
Você acha que na música a preocu-
pação é maior na instrumentação e samba é samba.
nos arranjo do que nas letras, na po- Paulinho da Viola
esia?
também é samba
Gil: Não acho nio. Eu escutava ontem, Há mil e cinquenta
no rádio, uma música do Cidade Negra e quatro formas di-
chamada Ere e percebi que ali tem toda ferentes de samba
Samba de roda,
uma utilização de um
conjunto léxico, um samba de breque.
conjunto de palavras, maracatu, pagode.
de vocabulário, for e tudo samba
mados por fragmen
Gil: Influencia pra
Existe incentivo
tos oriundos de vári. para tudo isso
mim é afeto, ligação
os contextos como o no Pais?
afetiva, paixão. Quan
do eu ouvia Dorival
do candomblé, da Gil: O xente!
linguagem coloquial Até poucos
Caymi e Luiz Gonzaga.
do jornalismo, da lin- anos atrás, por
quando era menino,
da
guagem técnica etc força
aquilo provocava em
Quer dizer uma col
mim um sentimento que
estruturação conjuntural
cha de retalhos. Se do mercado fonográfico, havia 60 a 70 a rigor pode-se chamar de paixão.
pegarmos as letras do por cento de música estrangeira con- Minhas influências são todos os ar-
Brown, as letras do tra os sambas e os barões nas rádios tistas que me provocaram esse sen
Djavan, as letras dos brasileiras. Quando as rádios resolve- timento num grau extraordinário
"rapers" dá para ver, ram tocar samba, a resposta do povo como João Gilberto, Luiz Gonzaga,
mesmo que seja de foi imediata. O povo botou essas rádi-
Caymi. Miles Daves, Bob Marley. Rua ferissimo,
maneira ingênua ou os em primeiro lugar, em questão de Jimmy Hendrix.
sem controle, o desejo de se falar de um ano. No Brasil, tocou samba, ne- Steve Wonder ou Michael Jackson?
tudo, de falar do cotidiano, do velhogro dança. Não tem jeito. O éxito do Gil: Eu sou amigo de Steve Wonder e
romantismo, do lirismo. As linguagens pagode é uma resposta popular. Isso & isso faz uma diferença.(risos)
convencionais que, até então, foram in- povo brasileiro dizendo quem ele é. Qual suas expectativas para a vira-
gredientes básicos para as canções po- Isso é bom
da do milênio?
pulares do mundo inteiro, junto com as Você sentiu alguma dificuldade para Gil: Minha expectativa é entrar no ano
manifestações da indignação, do des- caminhar em terra áridas da física 2000 sem expectativa alguma. É o que
conforto, da sociedade modema, colo- para compor?
eu quero. Não sei se vou conseguir.
► Ao som de Bolero
Lucho Gatica apresenta
show especial na sexta-feira
no Red.
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Gil defende união ciência e
arte em debate na Unicamp
Gil: Não. A mesma dificuldade que o
poeta tem. O mesmo problema da ener
gia girando inquieta entre o plexo solar
e o plexo cardiaco na hora da criação.
E aquela mesma agonia: cade a pala-
"A arte e a ciência são dois tipos cadeias de DNA podem trasnformar-se
vra, cadê o conceito, como é que vou
em melodia"
dizer isso, como é que vou dizer aqui-
de expressão humana que se comple-
Esse interação é o que Gil pro-
tam", é o que pensa o cantor baiano Gil
lo. Foi essa a dificuldade que tive. Evi-
berto Gil. Mas não é só isso. Ele vai mais cura com seu novo trabalho, "Quan-
dentemente eu tive que tomar alguns
cuidados porque não domino o léxico,
fundo. Durante um debate no Laketa". "Ouvi críticas quando anunciei
House, Unicamp, na quinta-feira, sobre esse meu disco: houve uma
os significados profundos de palavras
arte e ciência, que contou com a partici desautorização dessa minha iniciati-
como ressonància mórfica. Eu tive que
va", comentou. Ele disse que leu numa
estudar um pouquinho, estudar como
pação do psicanalista e escritor Rubem
Alves, do maestro Benito Juarez e o fi Seção de cartas ao leitor de um veícu-
um leigo estuda, com almanaques, não
necessariamente com livros. Eu sico Newton Bemardes, Gil chegou a lo de comunicação uma crítica de um
tive que acumular uma
apresentar uma "proposta pedagógica" cientista ao seu trabalho apontado
que pode ser considerada "revoluciond- como se fosse pecado fazer música
pequena cultura de
ria" para o ensino da ciencia, a partir da com a mecânica quàntica".
almanaque de ciência
leitura de um artigo do cientista norte-
para poder trabalhar es-
ses dois anos e poder
americano Robert Bernstein, publicado
na revista "The Science",
fazer essas oito ou dez
músicas
O artigo aponta os métodos usu-
ais dos cientistas como inadequados,
ao mesmo tempo que demonstra a ne-
cessidade da relação e interação da ci-
ência com a arte, a literatura, o teatro,
de forma que não seja estranha para
os educadores.
"Os cientistas devem transmitiro
prazer de suas pesquisas e incentivar os
estudantes", dizia o artigo lido pelo can-
tor durante mais de 20 minutos. "A ci-
ência só allora nas pessoas emotivas e
sensíveis" ....e "todo cientista precisa
de habilidade para imaginar dentro de
uma situação biológica"... assim ... 'as
TO
Segundo Gil, a idéia de seu novo
disco, por outro lado, não é assumir o
papel didático, nesse sentido. "Eu que
ro cantar. E quero que quem for ouvir,
ouça sem aquela agonia (que existe
quando se fala em quântica), que possa
ser transmitida sensualmente"
As canções de "Quanta", de acor-
do com o cantor baiano, tem fraseados
simples sobre o temacientifico, colagens
e tradições do verso popular, sem a pre-
ocupação de definirocientifico, até por
que, segundo ele, a pesquisa que fez fol
em livros híbridos de conversas de ci-
entistas" franceses. "A poesia (por si só)
já autoriza o delírio, a poesia traballa o
corte. Essas coisas que no mundo da ci-
(FB)
encia so proibidas".
1.D
APRESS
GIERIS
O que significa influ-
ência para você? Você
tem alguma?
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