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Documentos do Arquivo Pessoal de Gilberto Gil

Instituto Gilberto Gil

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Brasil

  • Título: Documentos do Arquivo Pessoal de Gilberto Gil
  • Transcrição:
    Quando a música estourou nas pa- radas de sucesso, a palavra de ordem "anistia" inaugurava a organização pela libertação dos presos políticos e "Não Chore Mais" foi apontada como o hino do movimento. Mas Gil explicou que a versão já estava pronta há três anos e que só não fora gravada na época por impedimento da Censura: "Não atribuo o sucesso ao momento político pois as crianças adoram a música e criança não se preocupa com anistia. "No, Woman No Cry" é uma das baladas mais bonitas que se conhece.' "REALCE" FECHA O MOVIMENTO "RE" Refazenda. . . Refavela... Realce! Gravado e mixado em Los Angeles agosto de 79 - o LP "Realce" rece- beu tratamento sofisticado, jamais atin- gido nos estúdios brasileiros. Falhas de tectadas nos discos anteriores foram evi- tadas e acrescentadas inovações de alta tecnologia nessa superprodução sonora, com a participação de uma orquestra muito bem estruturada nos valores indi- viduais e na eficiência da direção. O éxito desse trabalho deve-se em especial ao músico Michael Boddicher, do Quincy Jones Production - que ope- rou os sintetizadores - e do brilhante Jerry Hey, da AEM Records - que cui dou dos arranjos de metais, uma experi- ência feliz anteriormente adversa à in- clinação musical de Gil, que considera- va tais instrumentos pretensiosos e de mau gosto. Repensando, ele proclamou: "Eu sou negro, canto gritando. Minha música se dá bem na parafernália sono ra..." Mesclando o som afro-brasileiro com o rock, elabora um ritmo tropical, visceral, explodindo aquilo que há de mais orgânico em obra: a fé. Quanto ao repertório, explica que ele saiu em função da vida atribulada do ano passado, com canções feitas nos ho- téis em Los Angeles, nos ônibus no meio da estrada, nas correrias de uma excur- são: "Os músicos que me acompanha- vam só ouviam as músicas na hora de irem para o estúdio, quer dizer, foi tudo gerado a toque de caixa, em pouco mais de dez dias". Ele não vê a desejada unidade no disco e agora, depois de receber cinco discos de ouro - quatro pela venda de 650 mil cópias do CS "Não Chore Mais'' e o outro pelas 180 mil do LP "Real- ce" -, confessa sua insatisfação com o trabalho. Reconhece o valor de apenas três ou quatro músicas, ao contrário de "Refavela" que, não obstante a má qua- lidade técnica, mostrava perfeita unida- de temática Na sua costumeira atitude de cor- tesia para com os repórteres de revistas e jornais do país, Gil jamais se nega a transmitir as intenções motivadoras de sua obra, o que faz magistralmente atra- vés de respostas simples e espontâneas. Assim ele encontra a maneira indireta de rebater às críticas e elucidar conceitos implícitos, sem nunca entrar em polêmi- cas diretas com os "patrulheiros". Então, sempre que fala do reper- tório, Gil costuma associá-lo aos termos glamour" "leveza" "mansidão", "swingue", "harmonia", "compreen- são". E, a despeito das acusações, expli- ca que o tema em "Realce" tem por substrato uma contribuição em prol dos direitos humanos, negados principal negro, à mulher, ao preso... constantemente marginalizados, espo- liados, humilhados. ment A música-título é a sua reconcilia- ção com o "universo das banalidades", talvez por acreditar que a perspectiva de mudança social não deva ser vista do enfoque da contestação política ou, mais amplamente, da tomada do poder, mas também no plano global, na própria libertação do homem de dentro de si mesmo, visto que a questão do prazer não pode ser deixada para uma possível sociedade futura. Colocar o problema em pauta hoje é uma perspectiva revolu- cionária porque implica repelir o concei- to de corpo como mero instrumento de trabalho. Nessa contingência parece es tar a pretendida "cintilância" de "Real ce" No entanto, as críticas mais con- tundentes incidiram sobre a música "Su- per-homem a Canção". Nela, os machis- tas, os vitorianos da nossa imprensa, vi- ram a hecatombe da "nossa sociedade", na medida em que interpretaram o lindo poema como o desnudamento moral do cantor, como exaltação do bissexualis- mo devasso. Gil procurava explicar: "Es- sas músicas (refere-se também a "Fé Me- nino'') falam de bissexualidade num sen- tido mais amplo, do andrógino, o que não tem sexo por ter ambos os sexos. Na verdade, esse é o meu sonho religio- so: chegar a esse anjo andrógino onde já não existe conflito entre masculino e feminino. Essa busca do feminino, no meu caso, é uma necessidade de equill- brio... Criado sob o jugo da suprema- cia do macho, fator que considera em- brutecedor do próprio homem, ele agora tenta evidenciar o "anima", para contra- balançar com a nefasta masculinidade socialmente imposta: Um dia/ Vivi a ilu- são de que ser homem bastaria/ que o mundo masculino/ tudo me daria/ do que eu pudesse ter... " TRISTES TROPEÇOS "Tudo isso que está acontecendo não é só comigo, não. É um estado geral de desespero, uma entregação geral mui- to feia, muito ruim, muito destrutiva. É como se tapassem um formigueiro e as diversas formigas, cada qual com sua ocupação - formiga-músico, formiga- jornalista, formiga-cineasta - saíssem se devorando umas as outras, descuidadas do perigo que, enquanto formigueiro,
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