Já se disse que 1968 foi o ano que não ter-
minou". Qual foi o fato que você viveu em 68 que
nunca pôde ou nunca quis contar?
Você teve um encontro com John Lennon ,
em
Londres, durante o exilio, você na platéia, cle no
palco. Aquele show deixou marcas em você!
Eu estava na platéia, e John Lennon estava Mil novecentos e sessenta e oito foi um ano
com Yoko Ono, no palco do Liceum, uma casa pres marcado por uma parancia muito grande de minha
tigiosa. Eu era amigo de Alan Watts, que hoje é do parte. O ano marcava o final, o canto do cisne do
Yes e na época tocava com a Plastic Ono Band, a Tropicalismo. Vejo em 68 o ano básico das grandes
banda que acompanhava Lennon. Era uma véspera indisposições com colegas que se mostraram reti
de natal. O show, muito interessante, tinha um ar de centes - alguns mais do que reticentes-resistentes,
happening: Yoko, por exemplo, saia de dentro de um mesmo, ao esforço, ao esboço e ao empenho tropi-
saco, o que ainda não era usual em concertos da épocalista. Naquele ano, tive pela primeira - e última
ca. Yoko tinha todo aquele trabalho de artes plásticas.
Lennon tinha deixado os Beatles há pouco tempo.
Por essa razão, o show foi muito
marcante.
vez - um problema sério de desavença com Cacta-
no, exatamente no dia da apresentação do programa
tropicalista que o Zé Celso
Martinez Correia dirigiu.
Minha grande
conquista,
na verdade,
foi ter conhecido
Caetano Veloso
Tanto tempo depois da
volta do exilio, o que ficou de
bom e o que ficou de ruim da-
quela temporada em Londres!
"É como se ter ido fosse
necessário para voltar, tanto
esse
mais vivo de vida, vivida, dividida, pra lá e pra cá..."
(Gil cita a letra de Back is Bahia, uma das músicas
do disco que ele lançou ao voltar para o Brasil, em
1971). Ainda ontem estava pensando sobre essa
música: exatamente na palavra "dividida e no que
cla queria dizer. O que diria hoje, para
sentido de dividir? O que me dividiu! Eu me dividi
mesmo ao ir para Londres! A divisão significou
uma ruptura ou tudo se dividiu como se dividem as
moléculas, as células? Tenho a impressão de que a
divisão ocorreu mais nesse sentido: não houve trau-
mas; não fiquei com marcas negativas da passagem
por Londres. Aprendi a tocar guitarra em Londres,
assim como foi em Londres que me tomei um land
leader - como diria Jorge Ben na Banda do Zé Prati
who - nesse sentido pop, moderno. Gosto disso.
Aprendi inglês. Meu filho Pedro nasceu em Lon-
dres. Não tenho queixas.
O exilio teve coisas boas e coisas ruins. Uma
cena magnífica - que nunca esqueço - foi o dia da
vitória do Brasil sobre a
Inglaterra, por um a zero,
na Copa do Mundo de 70. Os ingleses tinham ven-
cido a Copa de 66. A expectativa na Inglaterra intei-
ra era de que eles ganhassem do Brasil e partissem
para o bicampeonato. Conseguimos ganhar aquela
partida. Um dia depois, no bairro de Chelsea, onde
eu morava, as paredes estavam todas pichadas: "Ri-
velino Revelation". Uma maravilha.
8 Continente Multicultural
A primeira e última" de-
savença com Caetano Veloso foi
de natureza estética!
Fiquei com medo de me apre-
sentar. Tinha havido um incidente
com o Vicente Celestino - que veio a
morrer naquela noite, durante um
ensaio. Eu tinha ficado nervoso e
com medo. Já vinha vivendo uma
paranoia grande: o programa era sis-
tematicamente rejeitado pelas donas
de casa do interior de São Paulo. Re-
cebemos cartas de prefeitos, a sociedade civil toda re-
belada contra nós. Eu morria de medo daquilo tudo
Quando saímos do ensaio para voltar para casa, eu
disse a Caetano: "Não estou com vontade de fazer
esse programa. Não vou fazer". Caetano, então, fi-
cou bravo, reclamou muito comigo, a gente discutiu.
Acabou me convencendo a fazer o programa.
FHC soube
teorizar o povo
brasileiro.
Agora,
aprendeu a
fazer política
funcionava para você, na década de
sessenta, como símbolo do futuro e
divisor de águas!
Vários dos traços utópicos que
se enxergavam no símbolo 2000
confirmaram-se ou foram definitiva-
mente arquivados. Por exemplo: a
neto ages, a aproximação entre a ciên-
cia e o misticismo, toda aquela pers-
pectiva anunciada pelos hippies, pela ligação indiana,
pelos Beatles e pelos beatsiks, aquilo tudo de uma
certa forma se confirma; em outros aspectos, se dilui
definitivamente.
Você falava, no início dos anos setenta, do ano
2000, na música Expresso 2222 - regravada há
pouco por João Bosco, num smybrook. O ano 2000
Quando se falava em futuro no Brasil, o sim-
bolo era sempre o ano 2000. O Brasil, que sempre
foi citado como o país do futuro, lhe dará mais ale-
grias ou mais tristezas nesse começo de milênio?
O Brasil já vem me dando um pouco mais de
alegrias. O país vem se configurando definitivamen-
te como um país real de uma sociedade real. É um
país novo, proposto e criado na esteira dos descobri-
mentos, com toda aquela tragédia da vertente amo
ríndia. Igualmente, a tragédia africana também se
desenvolveu aqui. Por todos esses motivos, é um
país com um traço trágico muito profundo. Agora,
pela primeira vez, o país vive com uma certa consci-
ência desse traço trágico, sem aqueles arroubos de
uma quimera paradisíaca que viria em algum tempo.
Hoje, o que temos é um país real-que pre-
cisa pagar todo dia pela superação de seus proble-
mas. Há uma sombra enorme deixada pela herança
européia sobre nós. Aos poucos, vai se resgatando
esse traço europeu, a alma-māc indigena e a mãe
africana
Quando você explodiu, com Caetano Veloso,
vocês representaram o vigor e a energia da juven-
tude em busca de mudanças e de transformação do
país. Qual foi a grande utopia que fracassou Que
utopia fracassada dói particularmente em você?
A utopia brasileira que fracassou não era ape-
nas brasileira. Era uma utopia do planeta todo, espe-
cialmente de áreas secundarizadas, aquelas em que
vivem os povos chamados subdesenvolvidos: a uto-
pia socialista, a utopia da Revolução. É uma utopia
que varreu a África e a América Latina, além de se
insinuar também em países europeus como a França
e na Alemanha e se esboçar fortemente no Leste Eu-
ropeu e na China. Formaram-se duas grandes repú-
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