melhores. Raul teria se enciumado, certa vez, por causa
do frémito que Edy ocasionara com sua interpretação de
"La Bamba", de Rich Valens. Edy contradiz: "Raul estava
era puto por ter que acompanhar uma bicha louca como
eu pondo fogo no auditório", debocha.
Antes de virarem colegas de CBS, Raul Seixas e o pia-
nista Mauro Motta foram apresentados em condições ad-
versas: tocando ao relento. Algumas noites, o conjunto de
Motta, Os Blue Jeans, se apresentava ao ar livre com os
Panteras, no Largo do Pacificador, em Duque de Caxias.
0 empresário responsável pelos shows era um avarento:
"Tocávamos a noite toda. De café-da-manhã, o cara nos
dava uma Caracu com um único ovo". Desiludidos, em
1969 os baianos arrumariam as malas de volta a Salvador.
Mauro e Raul cruzaram-se, novamente, na CBS, onde
se tornaram parceiros em "Ainda Queima a Esperança"
(Diana) e "Vê se Dá um Jeito Nisso" (Trio Esperança). De
acordo com Motta, a gravação de Diana foi um "sucesso
absurdo". "Comprei um fusca zero", sintetiza.
M DOS MAIORES MIMOS QUE OS SEGUI-
Dores de Raul Seixas, em breve, terão a
alegria de vivenciar é a volta de Os Pan-
teras. O estúdio Casa das Máquinas, en-
costado na orla de Salvador, é o próximo
destino de meu roteiro. Na solar tarde de sábado, sinto-
me privilegiado por presenciar um ensaio dos felinos re
manescentes - Eládio Gilbraz (guitarra), Mariano Lanat
(baixo) e Carleba (bateria).
U
O trio conservou as garras
bem afiadas. Com sexage-
nária mocidade, atacam
de joias do repertório de
Raulzito & Os Panteras,
álbum de 1968 gravado no
selo Odeon. A decisão do
retorno, explica Eládio, foi
tomada após a reunião da
banda, que abriu e fechou o
palco Toca Raul! na Virada Cultural de São Paulo. Segun-
do ele, existe
chance de gravarem um volume de inéditas.
Composições como "Questão de Tempo", por exemplo, fi-
caram guardadas desde os tempos de Raulzito.
A formação clássica dos Panteras raiou ao acaso, em
1962. Por meio de Olival, amigo em comum, Mariano
costumava emprestar o seu violão para um desconheci-
do. A demora na devolução do instrumento, certa vez,
RAUL SEIXAS
la diz que Raul sempre se lamentava: "Não consigo enten-
der; sou baiano, mas ninguém me dá mole na Bahia".
Carleba divide tragicômica passagem, envolvendo o bo-
nachão Carlos Imperial. Após muita insistência, a Odeon
arranjou um encontro com Imperial em sua cobertura:
"Viemos da Bahia tentar a sorte no Rio", disseram. Impe-
rial foi curto e grosso: "Mostra aí". "Mostramos uma, duas,
três canções do nosso LP. Imperial quieto; o Raul, nervoso.
Na quarta, Imperial falou: Pode parar. Entrem no primei-
ro ônibus de volta para a Bahia. Esse tipo de música tem
14 mil conjuntos fazendo igual. Raulzito, ainda por cima,
é nome de cantor de bolero" Raul ficou mal depois disso,
segundo Carleba. Mas anos depois se desforrou: "Não pe-
guei aquele ônibus", jogou na cara de Imperial.
Autor do livro A Paixão Segundo Raul Seixas, Toni-
nho Buda conta que seu primeiro encontro com Raul
Seixas deu-se numa sexta-feira 13 de lua cheia de agos-
to de 1983. Os dois fizeram "um ritual de banimento"
entoando o hino "Sociedade Alternativa", no palco do I
Festival de Rock de Juiz de Fora. Somente mal-inten-
cionados ou supersticiosos, julga Buda, o associam com
satanismo. "Ele fez uma música chamada 'Rock do Dia-
bo realmente. E ele próprio disse: 'Existem dois diabos.
Um deles é o 'do toque' e o outro é aquele de o Exorcis-
ta". Para Buda, Raul, estava associado ao primeiro - que
é o da inteligência, Lúcifer, aquele que entregou a luz
do conhecimento aos homens. Raul não tinha nada a
ver com o diabo da igreja. "Os evangélicos sempre dis-
Raul havia escrito os diálogos do seu filme até a
cena 33 – encerrada com a frase: "Jesus morreu
com 33 anos. Assim também este script"
seram que ele era filho do capeta. Montavam piquetes
na porta de seus shows, tentando impedir que as fãs en-
trassem na sua 'Panela do Diabo?"
saindo para o Triângulo do Diabo, rodar meu primeiro
filme. Escrevi todos os diálogos. Meu trabalho de todos
os LPs lançados e não lançados está condensado numa
fita de duas horas de projeção. Quero o Oscar".
Durante as pré-locações, Raul recebeu a notícia: o
disco Novo Aeon estava com fraca vendagem. Precisaria
retornar ao Brasil para promovê-lo. Jay lançou a ideia de
montar clipes com as imagens capturadas. Dessa forma,
ajudaria o cunhado a levantar uma grana para bancar
a produção. No vídeo de "A Maçã”, Gloria dança no que
parece ser um pentagrama satânico (na verdade, um he-
xagrama). Outros trechos da filmagem foram editados
nos clipes de "Morning Train" e "Caminhos". Raul voou ao
Brasil em posse dos videotapes, conta Jay. “Ele disse que
terminaria os diálogos e, depois, voltaria com grana para
filmarmos de verdade." Mas Raul não voltou. Começou,
porém, a telefonar para Jay pedindo que ele viesse ao Bra-
sil arranjar as guitarras do disco Há Dez Mil Anos Atrás.
"[Roberto] Menescal [na época diretor artístico da Phi-
lips/Phonogram] ofereceu-me cinco mil dólares para eu
tocar nesse disco. Ele também comprou fotos que tirei de
Raul nas filmagens de New Orleans", conta Jay. Raul ha-
via escrito diálogos até a cena 33 - encerrada com a frase:
"Jesus morreu com 33 anos. Assim também este script".
Na última escala da viagem à Bahia, encaro o asfalto
trêmulo da rodovia BA 93 rumo a Dias D'Ávilla, munici-
pio a 70 quilômetros de Salvador, onde a família de Raul
passava férias. O caminho é paralelo ao da Estrada Real,
donde repousam as ruínas
do Castelo da Torre, úni-
ca fortaleza (edificada em
1545) em estilo medieval
da América do Sul. O traje-
to conduz, também, a Jua-
zeiro, Jacobina, Rio Real e
Feira de Santana. A mar-
gem da estrada, conheço
outros escombros: do Sitio
de Caboatã (soerguido pe-
los braços de Seu Raulzão, avô de Raulzito). Na infância,
Thildo Gama também veraneou no recanto. Espantado,
ele recobra a atmosfera de garoto. Pensamos em Raulzito
rolando arteiro sobre a campina verdejante ou indo nadar
no cristalino Embassai, rio onde os moleques reuniam-se
para beber pinga injetada num fruto de caju e fumar ci-
garros. Em Dias D'Ávilla, belvedere de águas minerais e
lamas medicinais, o turista" mais ilustre virou nome de
avenida. Também ganhou sua face (dos tempos de Gita)
esculpida em bronze no centro da praça principal. A esta-
ção férrea inspiradora da canção "Trem das Sete" risca ao
meio o lugar: "Meu pai era engenheiro de estrada de ferro.
Eu conheço o sertão inteiro da Bahia. Trem era meu fasci-
nio", anotou Raul. É aqui que Plínio Seixas - único irmão
de Raul Seixas - manifesta-se. É ele
quem me procura,
surpreendentemente. Conta-me que mano comprou-
lhe um contrabaixo e o incentivou a montar o próprio con-
junto: Os Eles Quatro. "Vivemos a infância dos meninos
travessos. James Dean foi nosso herói; Juventude Trans-
viada, nossa escola." Ainda recordamos que era Plínio o
excepcional comprador das revistinhas desenhadas por
Raulzito, as quais ele vendia - sem jamais finalizá-las: "O
sacana não terminava os gibis. Deixava-me agoniado sem
saber o final das histórias". A voz de Plininho soa idêntica
há 50 anos, quando, na introdução de Krig-há, Bandolo!,
apresentou Raul Santos Seixas bradando "Good rockin'
tonight": "Dá uma saudade danada."
A PANELA DO DIABO SALTAMOS PARA A
República das Filipinas. Endereçado de
Manila, capital do arquipélago, recebo,
em Salvador, um pacote enviado pelo
velejador Jay Vaquer. Mais conhecido
como o cara que tocou guitarra" em Krig-há, nos anos
70 ele assinava Gay Vaquer. Trata-se do copião do rotei-
ro de O Triângulo do Diabo - Opus 666, road movie que
Raulzito roteirizou, mas não chegou a realizar. No fil-
me, os personagens de Raul e sua então esposa, Gloria
Vaquer irmã de Jay) encontram-se com misterioso ser,
o "Homem Novo" - espécie de filósofo que lhes indica o
portal que leva ao Triângulo do Diabo, situado no mag-
nético Triângulo das Bermudas. Gloria, Jaye Raul che-
garam a viajar os Estados Unidos à caça de locações.
O que se seguiu é de conhecimento público: "Fomos Raul Seixas era apaixonado por cinema. Em 1975, Glo-
sucesso em bailes, clubes, programas de musicais e festas ria e ele foram visitar Jay, na Georgia. O guitarrista estava
no interior da Bahia e chegamos até o distante Rio de Ja- cursando a escola de cinema. Quando viu que o cunhado
neiro", pontua o baterista. A estada fluminense foi dura e tinha todos os equipamentos, Raul quis rodar um filme.
infeliz e, em 1969, o conjunto se desfez. "A gravadora não Jay conta: "Falei: "Precisamos de um roteiro". O orça-
ajudava. As condições eram muito adversas", analisa Car- mento seria nos moldes de Easy Rider - Sem Destino, de
leba. Sobre o fato de Raul Seixas não ser um artista muito Dennis Hopper, ou seja, baixo. Raul começou a escrever
popular na sua própria Salvador, a exemplo de outros con- os diálogos. "Enquanto ele redigia, procurávamos loca-
terrâneos, ele critica: "Salvador é uma cidade atípica. Temções. Eu aproveitava para filmar em 16 mm." De acordo
música, cultura, linguagem e culinária próprias. Apesar
do respeito que impõe, na Bahia Raul não tem a mesma
aprovação", reconhece Carleba. O produtor Marco Mazzo-
teu, então, à porta da casa do jovem Raul Seixas, que
morava no bairro Canela, perto da residência do bai-
xista. Motivada pela admiração compartilhada por El-
vis Presley, a cobrança virou conversa de tarde inteira:
"Disse a Raulzito que eu tinha visto o filme de Elvis 36
vezes. Daí ele me falou: 'Eu assisti 92. Vamos montar
uma banda", conta Mariano, que aceitou convite na
hora. Raul faria vocais e guitarra e Mariano, que era
violonista, assumiria o baixo. O grupo firmou-se de ver-
dade em 1963, com a entrada de Carleba e Eládio.
com Jay, a obra que Raul considerava mais importante
de sua vida nunca foi vista pelos fãs: "Está guardada na
minha gaveta", afirma. Raul minutou no seu diário: "Tô
70. ROLLING STONE BRASIL, AGOSTO, 2009
o jornalista CRISTIANO Bastos entrevistou Zé Ramalho
na RS30 (mar. 09) e finaliza o documentário Nas Paredes
da Pedra Encantada, sobre o disco Paebirú
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