O som encantado de Gil
FELIPE TADEU
SIM, É INCRÍVEL, mas ainda há sinais de vida inteligente
na indústria fonográfica brasileira. Muita gente por aí deve ter
ficado desconcertada ao se deparar com a caixa "Ensaio Geral",
lançada recentemente pela gravadora Universal. Primeiro por
causa da primorosa concepção visual dedicada produto: uma
caixa prateada, com o mesmo formato de um long-play, que traz
em seu conteúdo - "banhado" em cobre - treze CDs do nosso
estimado Gilberto Gil. Além disso, um book repleto de fotos
históricas ilustrando textos elucidativos sobre o cantor e
compositor baiano. Ou seja, um verdadeiro choque aplicado na
retina da gente, como uma descarga elétrica que já insinua o que
ainda está por vir. A música. A luminosa música de Gil.
Excitação total manos
sentidos, como se fosse uma droga boa, que
não faz mal algum, atiçando a contemplação e produzindo
encantamento. Essas são as impressões básicas que saltam à nossa
frente, depois de um mergulho intensivo na obra inicial de Gilberto
Gil, remapeada neste "Ensaio Geral" que está nas lojas do Brasil.
Graças à astúcia de caçador de Marcelo Fróes - que rastreou
durante mais de três anos milhas e milhas de registros
"esquecidos" nos estúdios da ex-Polygram, sempre atrás de
valiosos takes gravados por Gil - e, ainda, de sua paciencia de
pescador (quantas vezes o determinado pesquisador deve ter se
deparado com
"major ; quantas linhas telerde um ou outro funcionário da
telefônicas bloqueadas, quanta...?!), a
moçada tem acesso agora a verdadeiros tesouros dos primórdios
de Gil. Um material inestimável, reliquia dos dez primeiros anos
do músico baiano em sua primeira gravadora.
"Ensaio Geral" engloba todos os discos que Gil gravou na
antiga Philips. Álbuns como "Louvação", de 1967, passando
dentre outros pelo tropicalista "Gilberto Gil"(68), por um disco
lançado para o mercado inglês, or "Expresso 2222", de cinco
anos mais tarde. Todas as matrizes foram devidamente
recuperadas e remasterizadas por Carlos Savalla para o projeto,
no Digital Mastering Solutions em outubro de 1998, garantindo
não só uma melhor qualidade de audição, como também o
indispensável respeito clima das gravações daquela época.
Mas o melhor de tudo são mesmo os takes que Marcelo conseguiu
resgatar do ineditismo e que estão distribuídos pelos treze CD's
seja em forma de bonus tracks aos álbuns originais, ou reunidos
em "novos" discos - como no maravilhoso "Õ Viramundo", um
CD duplo ao vivo registrado em diversos concertos feitos por Gil
no decorrer da fértil década de 70. Em "O Viramundo", o ouvinte
vai se deparar com um Gilberto Gil castigando o violão em
"L
kecments -de
virtuosas como em "Ele e Eu", "Procissão" ou em
Dominguinhos. É muito interessante perceber também como o
sotaque baiano de Gil ainda não havia se diluido àquela época,
depois dele ter ido morar na cidade dos cariocas e de ter vivido
na capital inglesa. "O Viramundo" tem também o clássico
"Domingo no Parque", tem "Gaivota" (que Ney Matogrosso
gravou divinamente em seu disco "Feitiço", de 78), "Oriente" e
"Queremos Saber", uma que bem poderia ter sido incluída no
recente disco "Quanta”, pois aborda a questão da Ciência. Belo
manifesto, quando Gil já perguntava em nosso nome, lá em 1976,
"a que vão fazer(com as novas inte grandes populações/ homens
na
pobres das cidades/ das estepes, dos sertoes?". Mas "O
Viramundo" traz, acima de tudo, uma faixa
de apenas dezessete
"
da música, (que, pena, não tem a linda letra impressa no encarte),
o artista conta ao público como foi o seu comovente reencontro
com este nobre afoxe da Bahia, ao voltar do exilio em Londres.
Os Filhos de Gandhi - aquela que era a mais forte lembrança que
Gil guardava dos carnavais da infância - estavam prestes a se
dissolver em brigas internas, até que o artista resolveu fazer a
sua parte e o melhor que lhe cabia: compôs uma música
convocando os orixás para salvar o
afoxé e, hoje, cinquenta anos depois de sua fundação, os Filhos de
Gandhi têm seu desfile transmitido pela internet. Graças a ele,
Gil
O álbum de 1968, que traz na capa o baiano à carater como
um Sargento Pimenta, é outro que poe pra quebrar. Gil tem os
Mutantes na retaguarda e o disco é uma farra tropicalista sob a
benção do rock'n roll. "Pega a Voga, Cabeludo é puro Roberto
Carlos dos-bons tempos, lembrando muito "essa garota é papo
firme". A faixa "Questão de Ordem", por exemplo, é daquelas
que devem ter deixado a milicada golpista injuriada diante de
tantas sugestões musicais deliberadamente subversivas. Já em "A
Luta Contra a Lata", o tresloucado mutante Arnaldo Baptista fecha
o take perguntando, abusadamente, se “você também põe drogas
no seu café?" E todo mundo no estúdio gargalhando. Por trás de
toda esta saudável anarquia, a sanha inventiva do maestro Rogério
bonus-track
" Cidade do Salvador" é outro CD paulada. Conforme consta
no encarte do "Ensaio Geral", o trabalho era para ter sido lançado
como disco de carreira, mas o tempo foi passando e a Philips acabou
não colocando no mercado. Gil estava como sempre bem escoltado
por Tutty Moreno na bateria, Rubão Sabino no baixo,
Dominguinhos no acordeon, Chiquinho Azevedo na percussão e
Aloysio Milanez nos teclados. Também com registros gravados ao
vivo, "Cidade do Salvador" tem a curiosa "Umeboshi", da safra
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macrobiótica do baiano, tem "Eu Só Quero Um Xodó", hit de
Dominguinhos e Anastácia, além de "Tradição" - que aqui não
disco "Realce". Tem ainda vários takes,
todos legais, de "Maracatu
fica tão empolgante quanto na gravação posterior, feita para o
Atômico", de Mautner e Jacobina, "Esses Moços (Pobres Moços)",
do grande Lupiscínio Rodrigues, além de uma impressionante
"Doente Morena"
E como está todo mundo careca de saber que Gilberto Gil
sempre foi "um" que nasceu para o palco, a caixa inclui também
o ótimo "live" realizado em 1974. Com certeza, um dos trabalhos
mais bacanas da discografia do artista, apesar de ser um disco
enriquecido com cinco faixas-extras, ou seja, o que já era bom
demais, ficou melhor ainda. Lá está Gilberto Gil atacando em
Joko Sabino", uma homenagem
swingante que dura onze minutos,
feita para o pai do baixista Rubio, bem como em "Copo Vazio",
que naquele mesmo ano estava sendo gravada por Chico Buarque
em seu "Sinal Fechado". Um recado sutil à censura da época,
num copo vazio mas tão cheio de ar. Um silêncio absoluto, ele
mesmo o grito. "Sim, Foi Você", pérola pouco conhecida de
Caetano Veloso, é outro grande momento do disco, com
interpretação tocante de Gilberto Gil. Lamentável só, foi o fato
de terem se esquecido de colocar os nomes dos músicos que tomam
parte neste disco. Um vacilo e tanto para projetos deste tipo.
Studios, é também uma pepita das boas.com cabelo black power
o baiano solta a lábia em inglês, indo de "Volkswagen Blues" à
"Nega". O melhor deste disco é que ele também tem nos três
bônus algo
muito de primeira: "Up From The Skies", do
incandescente Jimi Hendrix, "Can't Find My Way Home", de
Steve Winwood
de até a "Sgt Pepper's" dos benditos besouros.
do em versões acústicas. Demais.
Rogério Duprat também é o arranjador e diretor musical de
"Gilberto Gil" de 1969. "Cérebro Eletrônico", "Aquele Abraço".
2001" (bem melhor com Gil, do que na gravação de Os
Mutantes), “Futurível", e "17 Léguas e Meia" fazem a felicidade
dos admiradores do bardo tropicalista. "Cultura e Civilização"
foi outra que foi pinçada wanismo, numa demo gravada
por Gil as vésperas
para o
Costa soubesse como cantá-la em seu disco", conforme informa
o encarte. É colocar a vitrola digital e deixar rolar.
Enquanto o CD "Satisfação" traz catorze faixas entre raras e
inéditas do período 1974/77-coisas como "A Bruxa de Mentira",
com João Donato, "Sarará Miolo",
".com Nara Leão, e "Chuckberry
Fields Forever" com os Doces Bárbaros, o CD "Copacabana
Mon Amour" é a trilha sonora original de Gilberto Gil para o
filme de Rogério Sganzerla. Já em "Expresso 2222"
têm um Gil em plena criatividade com "Back in Bahia", "C
Macaco no Seu Galho" e a marchinha do carnaval de 73, "Vamos
Passear No Astral", estas duas como faixas-extras. Fechando o
pacote, um CDzinho com dois medleys de "O Rouxinol", de
Mautner e Gil, e "Que Besteira", feita em parceria com João
Donato.
O maior defeito de "Ensaio Geral" não deve ser creditado aos
produtores da empreitada, e sim aos senhores encastelados do
planalto central do Brasil. Pois custando entre 250 e 300 reais, a
aquisição da caixa fica inviabilizada até para a classe média, reduto
principal dos fãs de Gil. Biscoito fino para meia dúzia, resta pelo
menos o consolo da Universal (não, a gravadora não pertence a
Edir Macedo) ter apostado firme neste projeto fascinante. Agora
Marcelo Fróes para prosseguir investigando os arquivos dos
estudios. Afinal, o resultado deste "Ensaio Geral" é realmente
surpreendente.
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• e-mail: Brasilkulta aol.com
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INTERNATIONAL MAGAZINE - Nº 55
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