sem fins lucrativos, que prestam assesso-
ria a sindicatos e outros movimentos de
base", precisa Leilah. No seu estudo ela
catalogou 184 entidades de mulheres,
422 que prestam assessoria a organiza-
ções do movimento popular e 402 ecoló-
gicas. Esse catálogo se soma a outro feito
pelo próprio Iser, que listou 573 entida-
des do movimento negro.
"Há uma ficção quanto à grandeza
dos orçamentos das ONGs", analisa Ru-
bem Cesar. Na verdade, mil dólares pode
ser muito para uma empresa, mas
é muito dinheiro numa associação de
favela. Depois, só as ONGs que têm
prestigio e que já provaram que podem
aplicar bem o dinheiro doado recebem
aumento de orçamento
Poucas ONGs têm orçamentos que
entram na dezena dos milhares de dóla-
res. São as chamadas entidades cinco
estrelas, menos de dez no Rio e em São
Paulo. No Rio de Janeiro, elas formam
um grupo para discutir sua identidade e
Essas organizações vêm movimentan-
do anualmente "poucas dezenas de mi-
lhões de dólares", segundo Rubem Cé
sar. A maioria delas, entretanto, dispõe
de pequenos orçamentos, em torno de
um ou dois mil dólares. Elas recebem
doações de entidades não governamen-
tais européias e norte-americanas ou de
organizações religiosas, conforme os
projetos apresentados
11° caderno domingo, 9/4/89
Brasil
JORNAL DO BRASIL
Organizações não-governamentais tomam conta do país
Ricardo Lessa
Fernanda Mayrink
seus objetivos. São elas a Fase, o Cedi, o
Cenpla, o Cedac, o Ibase, o Ibrades, o
Idac, o Iser e o Idesc.
Não foi fácil, entretanto, para Leilah
pesquisar o orçamento das ONGs. "É
um assunto tabu", diz ela. Nenhuma das
entidades gosta de falar de seus orçamen-
tos. "Elas são muito ciosas de sua auto-
nomia" diz Leilah. Mas acha que não há
motivo para suspeitas.
“Essa necessidade de controle faz
parte da paranoia burocrática, herdada
pela doutrina de segurança nacional"
dispara Rubem César. O controle feito
mais elemente do defende ele, é muito
do que o do Estado, feito
por um burocrata qualquer que está a
quilómetros de distància, raciocina o an-
tropólogo.
Refúgios --Ele acha que as ONGs
cresceram muito no Brasil, entre outras
coisas, por causa da ineficiência do Esta-
do na social. "Se o Estado quiser
controlá-las estará matando a galinha
dos ovos de ouro. As ONGs só existem
com independência e com o dinamismo
de que o Estado dispõe". Ademais,
quando as ONGs se associaram a orga-
nismos governamentais ou a partidos,
tiveram experiências funestas, lembra
Leilah
No início foi o Dieese, o CNDDA, a
Fase, o Ibase. Depois vieram o Cedi, o
Ibrades, a Coonatura e o Iser. Mais re-
centemente apareceram a Funatura, a
Pró-vida, a Uni, o Curupira, a Suipa e
outras siglas ainda mais estranhas. Uma
multidão de letras, que a partir da déca-
da de 70 passou a frequentar os jornais
o cotidiano dos brasileiros. Agora elas
estão unificadas numa só sigla: ONGs.
Não se trata de algo como um Dire-
tório Central de Estudantes (DCE) ou
Central Geral de Trabalhadores (CGT).
ONGs significam organizações não-go-
vernamentais, entidades que surgiram na
década de 60, cresceram na de 70 e ex-
plodiram nos últimos anos, ao lado dos
sindicatos, das pastorais da Igreja e ou-
tras associações. Mas foi sobretudo o
movimento ecológico que as consagrou.
Na década de 80, surgiram mais 400
sociedades de defesa do meio ambiente
no Brasil.
Tamanha proliferação começou a ge-
rar suspeitas e não foram poucas as insi-
nuações de que as ONGs estão servindo
de biombo para interesses escusos se
imiscuirem em assuntos de meio ambien-
te. Poucas pessoas se dispuseram, entre
tanto, a estudar seriamente esse fenome-
no, o que está por trás desse monte de
letras, o que representam, como se orga-
nizam, o que pretendem e como se for-
maram.
Caridade - A antropóloga Leilah
Landim, ela própria uma onguista –
como eles se auto-intitulam - perten-
cente aos quadros do Iser (Instituto de
Estudos de Religião), teve a pachorra de
fazer esse trabalho e em maio coloca à
disposição do público um catálogo com
1.008 nomes e endereços dessas entida-
des. Ainda mais interessantes que a lista-
gem são as conclusões do estudo de Lei-
lah e de Rubem César Fernandes,
antropólogo, onguista, do mesmo Iser,
que prefacia o trabalho
Eles constataram que as ONGs co-
meçaram a se multiplicar no Brasil para
fugir à burocracia das organizações go-
vernamentais e à partidarização das enti-
dades representativas, tipo sindicato
associação de bairro. A maioria delas se
originou de comunidades ligadas à Igreja
e profissionais universitários dispostos a
fugir do ambiente acadêmico e realizar
trabalhos junto ao movimento popular,
"É a versão moderna da caridade",
define Rubem Cesar. "São organismos
Talvez por isso, nessas organizações
foram se refugiar vários militantes da
Geração 68, que não encontraram satis-
fação profissional em empresas privadas
e também não queriam se enquadrar nas
instituições mais tradicionais.
É o caso do próprio Rubem César,
que fazia parte do grupo História Nova,
que foi dissolvido com o golpe de 1964,
passou pela universidade, mas preferiu o
Iser como principal atividade profissio-
nal; do Ibase, de Betinho, irmão do Hen-
fil, ou do Centro de Educação Popular,
de Samuel Aarão Reis, outro ex-exilado.
O boom mais recente, sem dúvida
porém, é das entidades ligadas à ecolo-
gia. Quase todas foram fundadas na dé
cada de 80. Leilah identificou organiza-
ções desde o Rio Grande do Sul até o
Acre. Grupos como Os sentinelas dos
pampas e Deite na Grama, de Porto Ale-
gre, Sociedade de Pesquisas e Estudos de
Naves Extraterrestres, no Rio de Janeiro,
integram o time das ONGs ecológicas.
Algumas delas funcionam na casa de
algum
de seus membros, como a Comis-
são de Defesa Ecológica de Sorocaba Jean Mare prefere promover
tecnologias alternativas
Jacques Cousteau (Codejacos), mas ou-
tras são poderosas,
como a Oikos, do
deput Feldman, que tem sede
propria e ligação com instituições estran-
geiras. Algumas das ONGs tradicionais
também passaram a se dedicar à ecolo-
gia. A Fase, que começou como um or-
gão ligado à Igreja e atuava na área de
educação popular, abriu um programa
de tecnologias alternativas, para dar as-
sistência ao pequeno agricultor.
Fotos de Luiz Bettencourt
O catálogo de Leilah, com mais de 1 mil nomes, foi prefaciado por Rubem César
Reinventando a agricultura
Jean Marc Van der Weid pode ser
considerado um onguista tipico. Em 1968
era presidente do Diretório Acadêmico
da UFRJ e participava ativamente no
movimento estudantil da época. Foi con-
denado a dois anos de prisão por incen-
diar um carro do Exército. Em 1971 foi
trocado pelo embaixador suiço Giovani
Enrico Bucher e banido do pais. Exilado,
fez o curso de economia agrária na Fran-
ça.
Após a anistia, em 1979, voltou para
o Brasil, como os outros exilados, e
tentou trabalhar como economista na
iniciativa privada. Em 1981, foi para a
África onde assistiu a comunidades ru-
rais da Guiné-Bissau, em projetos de
cooperação francesa e da ONU. Lá,
começou a questionar a aplicação das
tecnologias ditas "de ponta" na agri-
cultura dos paises subdesenvolvidos.
As comunidades da Guiné planta-
vam várias qualidades de sementes de
arroz, com uma produtividade baixa
para os padrões do Ocidente, conta
Jean Marc. Ele propos, então, a intro-
dução de uma semente superprodutiva
da Coréia. No primeiro ano, a planta-
ção ficou linda e rendeu maravilhosa-
mente. No segundo, uma praga matou
tudo. Ele recorda essa experiencia co-
mo uma grande lição. "Os nativos plan-
tavam muitas variedades que não eram
tão produtivas mas eram resistentes às
pragas", recorda
O economista teve que se render a
algumas outras lições dos lavradores.
O uso de fertilizantes nas plantas de
exportação, que são super-rentáveis, aca-
bam apenas pagando o custo dos pró-
prios fertilizantes, criando um circulo vi-
cioso e retirando os agricultores das
culturas de subsistência. Essas experien-
cias levaram Jean Marc a organizar o
Programa de Tecnologias Alternativas
(PTA), da Fase, na volta para o Brasil,
em 1982.
"No início era só uma pessoa, eu",
diz Jean Marc. Agora, são 16 equipes,
mobilizando 126 agrônomos, organiza-
das em 11 estados, em entidades de
assistência aos agricultores. Todas as
equipes juntas recebem por ano em torno
de USS 1,8 milhão de diversas entidades,
como a EZE, ligada à Igreja Protestante
alemã e a Misereor, ligada à igreja catóne
ca também da Alemanha; a Cimade,
francesa, a Fundação Ford, americana; a
ICCO, holandesa e a ICFOID, canaden-
se, além, da Finep e do CNPq, do
Brasil
Jean Marc diz que foi convidado re
centemente para voltar a trabalhar na
iniciativa privada, por um salário de
NCS 4.500, mas não aceitou. Preferiu
continuar na coordenação do PTA da
Fase, por um salário três vezes menor.
"É uma opção de vida", resume. (R.L.)