Festival do Rio:
Diretor americano
fala de racismo na
tela e na vida 2
O GLOBO
SEGUNDO CADERNO
QUINTA-FEIRA, 2 DE OUTUBRO DE 2008
ENTREVISTA
Gilberto Gil
‘Eu queria rever o que é cultura'
Oustive Stephen
Durante sua passagem por
Nova York, na semana passa-
da, quando, acompanhado
do filho Bem, se apresentou
por três noites no Joe's Pub,
Gilberto Gil fez, nesta entre-
vista exclusiva ao GLOBO,
seu balanço da experiência à
frente do Ministério da Cultu-
ra. Em ritmo de "relazenda",
assegura que nunca pensou
em fazer daquele posto um
trampolim para uma carreira
política. Ele ainda afirma
que, da mesma forma como
foi ministro sem sentir nos
talgia do palco, volta a ser ar-
tista integralmente sem sen
tir saudade dos salões e dos
figurinos de
Brasília Gil tam.
bém prepara-se para rees.
trear no Brasil o show de seu
novo disco, "Banda larga cor.
del-nos dias 18 e 19 de ou-
tubro, no Vivo Rio que,
agora, terá cenários de Hello
Eichbauer, figurinos da Os.
klen e um novo roteiro.
Marilia Martins
Correspondente NOVA YORK
O GLOBO: O disco novo marca a
sua volta à composição, depois de
muitos anos sem compar...
GILBERTO GIL: Eu tinha abando
nado a composição desde que che
guei ao ministerio, e este disco tem
pelo menos dez cançoes novas, fel
tas neste último ano. Voltela com
por, voltel a trabalhar a minha mo
sica. E a realização no estúdio, cla
roEu não entrava em estúdio ha
mals de seis anos, desde o "Kaya
n'gan daya". Ja ndo gosto muito de
estúdio, não sou daqueles que tro
balham com tranquilidade a arte
sania do som, prefiro o palco. Mas
precisava Ir para o estádio porque
a primeira forma das canções sem
pre passa por la
te oficialnum universo cultural do
Brasil, como seria possível redeti
mir esse panorama, o que é o mun
do no Brasil e o Brasil no mundo, o
que é a contemporaneidade cultu
ral, qual o impacto das tecnolo-
glas. Essas eram as questes. No
era o cumprimento de metas pro
gramaticas previamente determi-
nadas. Eu queria rever o que é cul-
tura, debater cultura.
Mas o Ministério da Cultura tem
tarefas especificas, como a admi
nistração do patrimonio, por
exemplo. O senhor ficou satisfeito
com a sua gestio neste sentido?
GIL: Mas esse é um exemplo de dis-
custo. A visão estabelecida do pa
trimônio dizia respeito às grandes
obras, à arquitetura, aos monu-
mentos, aos sitios históricos.
Atualmente, a dimento do patri-
. Esta é sua primeira entrevista de monio Imaterial ganhou uma im-
balanço apois deixar o governo. portancia muito grande. A Unesco
Que avaliação o senhor faz da er havia promovido a convenção do
periência como ministro? patrimonio Imaterial logo antes da
GIL: Foi interessante ter aceitado o convenção da diversidade cultural,
cargo. Eu me lembro que Caetano para a qual o nosso ministério tra-
balhou fortemente. Eu vejo as pes
zla uma colsa muito interessante: sous dizerem "Mas o pão de quello
"Gil no ministério é muito bom pra é patrimonio histórico? O samba
nós, mas pra ele talvez não seja". Ho de roda é patrimonio histórico? A
e após seis anos, gostel multo de pintura corporal dos indios é patri-
ter decidido aceitar ser ministro e monio histórico". É isso mesmo, e
dar uma contribuição a um governo foi preciso trabalhar a consciência
que naquele momento, chegava cer- nacional para aceltar isso. Sou or
cado de tantas dúvidas quanto eu gulhoso de ter dado atenção aos
Gostel de ter somado esta experien movimentos socials como produ-
cla à minha vida. Level para o gover- tores culturais e agentes cuturais
no um certo espontaneo, uma no: O programa Cultura Viva é um
ção de trabalho em fluxo. Consegul avanco. E o programa Cultura e
esta compatibilização rara e quase Pensamento, para se pensar a po
inédita
entre a minha participação litica cultural e publicar ensaios e
no governo e o meu trabalho artis vises variadas para uma discus
tico, que continuou, ainda que desto no âmbito nacional. Investimos
forma residual. Foi uma experiência em música, sobretudo em publica
vallosa. O desempenho do ministé çao de livros na Fumarte, investi-
rio for muito bem aceito, inclusive in mos na área do circo...
ternacionalmente
GIL EM AÇÃO no palcos, abato,
no dia em que foi a Brasilia para
scartar com o presidente Lula
sua salda do ministério
Música: A noite
de inauguração
do Teatro Tom
Jobim 10
Gilberto Gil retoma
integralmente a música e
diz não sentir saudade do
ministério e da política
falta desse meio de politica, as sotura, a questão da distribuição do
lões, o outro ligurino?
cinema de televisão, da música...
GIL: Ah, pois tem tudo isso E a descentralizaçho da produção
Outros salões, outros figurinos. E cultural... Tudo isso foi novidade
como eu havia me disposto a en- quando eu entrei no ministério. Ha
trar nisso sem nostalgia do palco e via acomodaço no status quo...
da vida de artista, também evitel a
saudade do ministério quando vol •
tel a ser artista
governo FH era acomodado
na polica cultural?
• Dizem que a politica é inebrian
le e que o poder afrodisloco...
GIL: Havia uma certa acomodação,
sim. O ministério tinha certos ro
cursos, e já se sablam as destine
GIL: Ah...O Kissinger disse isso o ções e os beneficiados... O minis
tro dia (risos). Mas isso não selterio era simplesmente uma fonte
porque no aconteceu comigo Até de repasse de verlas para setores
entendo os que dizem que o poder que já estavam organizados. O go
é afrodisiaco, mas tive o cuidado verno Lula velo rever e encontrar
dendo medelvar afetar. Nunca per espaços para setores deprimidos e
se em fazer do ministerio um tram - reprimidos da sociedade. O meu
polim para uma carreira politica trabalho fol basicamente por al...
Sempre quis voltar para de onde t Para o governo FH, o governo era
nha vindo. As pessoas insistem po apenas um bom negocio, e um bom
ra que eu tenha carreira política... negócio para aqueles que já esta
vam estabelecidos. O governo Lala
• Mas o senhor foi vereador em queria fazer da cultura um bom ne
Salvador, secreidinio de Cultura em gócio para todos. O cinema folo
Salvador, depois ministro... Essa exemplo mais flagrante
disso. O C
carreira política pode ser inter nema brasileiro estava trabalhan
rompida aqui e ali, mas esd M. do basicamente com recursos po-
GIL: É verdade. Não digo que no blicos das estatals, e agora existem
possa acontecer... Mas não fiquel mecanismos de risco para investi-
encantado com o poder a ponto de mento na produção e na distribul-
dizer: "Isto aqui é uma possibilidação do cinema
de na minha vida."
O que acha que ficou devendo
no ministério
GIL: Não consegui deixar o orça
Rio e em São Paulo. Comprei brigamento do Ministério da Cultura em
por causa disso, sim..
1% do orçamento da Unido, como é
recomendação da Unesco. Poi uma
. E por que sair do governo, se es- luta de todo o tempo no ministerio.
tava tudo dando certo?
Passamos de 0,2% para 0,6% do or
GIL: Tive problemas de voz. A çamento da União, mas mesmo as-
quantidade muito grande de reu sim abaixo do minimo recomenda-
nie, de discursos me prejudicava do e necessário.
Palel sobre isso
E também a rotina de acordar cedo muitas vezes com o presidente Lu-
e cumprir horas e horas de trabala, mas não conseguimos.
Tho. As pessoas solicitavam a minha
agenda e não acreditavam na quan
.E o projeto de descentralização tidade de coisas que eu fazia todos
. E em termos do que o senhor
os dias. Queria me dedicar muito so
o , ja
pretendia ?
dependente do ecco Rio-Sao Paulo? trabalho, e isso aletou multo a mi.
GIL: No entrel para cumprir um GIL: Acho que sim. Ha números nha voz. Tive recomendação médi-
programa previamente determina comprovando que aumentaram os ca de parar com esse uso nadamu
do, e sim para rever o que é cultura investimentos em cultura no Norsical dela.
observada de um ponto de vista deste e no Norte. A lei de Incentivo
oficial, qual deve ser o papel do entscalera
muito centralizadora no . E, depois de sair, o senhor sente
• Qual a novidade do seu ministé
no no govemo Lula em relaçdo ao
que havia sido feito no governo
Pemando Henrique Cardoso?
GIL: Não havia no ministério ante
Tlor preocupação com essas ques
toes, como a do patrimonio imate
rial, como a dos movimentos so
chals, a revisto do conceito de cul
E o seu contato com Lula?
GIL: Nesses dois meses fora do ml-
nistério, não encontrei o presiden-
te Lula. Eu sal bem, ele foi muito
generoso comigo, foi uma amizade
que eu fiz. Conhecia Lula, sim, por
causa da luta civica brasileira
Mas, nesses quase seis anos, tive
contato mais precimo, frequentela
casa. Ele é uma personalidade tas-
cinante. Conseguiu até que os ar
gentinos reconhecessem o Brasil
como um lider... E teve até um edi-
torial do "La Nación' dizendo is
so... O modo como ele vem enca-
minhando a questão sul-americana
entre Chaves e Morales, ele é mul-
to habilidoso...
. E seus planos para o futuro?
GIL: Agora é calr na estrada com o
"Banda larga cordel até marco e
depois parar de novo, e pensar
num novo disco.