CO-1345
Kelly, Celso. [Carta, 19--] dez. 25,
Rio de Janeiro, RJ [para]
Candido Portinari,
Brodowski, SP. [manuscrito]
Meu caro Portinari
Escrevo-lhe em pleno Natal. No grande di, os amigos são especialmente lembrados. Entre nós, colocados à distância, os presentes só são notícias: vou dar-lhe uma, magnífica e já, de certo modo, prevista. O caso do Conselho caminha otimamente e só depende de sua chegada, para definitivo entendimento. Desejaria que V. voltasse, sem mais tardar, nos primeiros dias de janeiro. Seria incapaz de pedir a sua vinda imediata: quero-a apenas transcorra o ano. Dentre dois ou três meses estará tudo resolvido.
Foi essa a primeira preocupação que tive, após os exames: eles tiveram o costumeiro resultado, de modo que, agora, não mais carrego comigo o eterno temor de quem se vai submeter a qualquer julgamento. Atualmente, trabalho para os amigos, produzindo algumas pilhérias artísticas, que o esperam aqui.
Quanto ao seu sorteio, de que teve V. tão extemporâneo conhecimento no caso de ser detido, convinha pedir uma ordem de hábeas-corpus ao Supremo Tribunal Militar, provando residir no Rio. Mas, praticamente, a volta para aqui é mais produtiva havendo ainda a circunstância de saber se V. é sorteado pelo Rio. Tudo isso, em última análise, não é coisa que ponha ninguém nervoso. A alma de um grande artista, por certo, se sentirá mal, dentro de um regime de regras estabelecidas, positivadas, profundamente militar. Se isso se realizasse, constituiria uma irônica maldade dos passadistas...
Incumbido pelo jornal, cujo aniversário se comemorará a 29 do corrente, escrevi uma página sobre o ano artístico. As mesmas opiniões , que eu sempre gasto em palestra, agora rebuscadas em forma mais clara e compreensível, formaram a pseudo crítica. Como deve prever , “o glorioso jovem da pintura brasileira” saiu em cena. Esquecê-lo seria retirar do “Salão” o grande Portinari.
Recebi um pedido para transmitir-lhe: Lourdes, uma colega que temos, deu-lhe (já lá se vão vários meses) um álbum, para que, nele, pintasse,. Sucede que ela deve partir para o Sul, em começos de janeiro, e serviu-se de nossa amizade, a fim de que eu arrancasse o álbum. Tendo desejo de satisfazer a esse pedido, peço-lhe que V. escreva, para sua casa do Rio, autorizando alguém a entregar-mo. Assim, tudo se resolveria a mil maravilhas, repondo eu nas mãos de sua legítima dona, o álbum adormecido em sua residência. Mesmo que, nele, V. nada haja feito, mande ordem para que m’o enviem. Esses incômodos todos são devidos apenas à sua notabilidade: males de quem é notável.
Escreva-me dando resposta a tudo de que acabo de tratar. Enviando afetuoso abraço, no grande dia, manifesto-lhe o desejo de que tenham V. e sua Exma. família, um ano felicíssimo.
Do C. Kelly
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