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PILLOW TALK
Encostar a cabeça à almofada e ouvir uma história lembra a infância. Com uma pequena diferença: é que na infância as histórias não vêm da almofada, vão para ela, ou directamente da imaginação, ou ouvidas pela outra orelha. Nem tão-pouco nos vemos reflectidos num espelho negro, como é o caso desta peça de Noé Sendas. Da almofada vem uma história, contada ao telefone pelo próprio artista e a banda sonora mudou ao longo do tempo, em três versões diferentes. A voz que conta a história dirige-se directamente ao espectador, transformado em ouvidor, pessoalmente implicado no destino daquela voz que sai da almofada e constrói uma relação, necessariamente íntima. E estranha.
Estranheza e intimidade são os pólos pelos quais se move a obra de Noé Sendas, seja qual for o meio usado pelo artista, desde a fotografia e a colagem, ao vídeo ou à escultura. Em qualquer processo, através de qualquer medium, o percurso de Noé Sendas pelo interior do segredado, do sussurrado, do escondido, do fracassado, do não-dito, do subentendido, do misterioso é uma constante, estranha e perturbadora. É como se o fantasma de Beckett espreitasse em cada momento.
Mais tarde, porque esta obra é do início do seu percurso, Noé Sendas iria produzir um conjunto de esculturas quase realistas nas quais uma personagem, a quem não se consegue ver o rosto, está sentada, de pé, deitada ou em inúmeras situações nas quais a sua qualidade de homeless anónimo a transforma numa personagem genérica de Sarah Kane – o que, aliás, é directamente referido numa das suas instalações na qual um texto da dramaturga é ouvido.
Entre o texto que assombra a almofada e as personagens que podem assombrar os nossos sonhos, Noé Sendas joga um jogo teatral, mas de um teatro sem palco, onde as personagens e as suas vozes estão ao nível dos nossos olhos ou, neste caso, dos nossos ouvidos.

Delfim Sardo