Esta pintura confirma as qualidades expressivas de João Vaz, na captação de fugazes momentos luminosos. Elegendo, como motivo de composição, um sítio solitário, sugere, com eficácia, que a história ali existe, tanto no corpo monumentalizado da fortaleza, como na presença do barco que há-de partir para a faina do mar. Entre um e outro, definidores de planos em fluidas diagonais, delineia-se a cunha da luz que mimetiza a forma triangular da embarcação ou a sugestão de uma inexistente vela. O mar é uma presença adivinhada na fímbria do céu, bem como o casario que espreita sobre as paredes sombrias da muralha. Estas ausências, presentificadas em breves sugestões, engrandecem a beleza do motivo, um entre mar e terra, nómada sobre o mar, sedentário no aconchego da paisagem humanizada.
Elegendo um pedaço da realidade, o pintor pretende que ele seja alegoria de uma totalidade em que os homens e as suas construções se inscrevem nas potencialidades e nos desígnios da geografia. No entanto, esta intenção resolve-se, parece que inteiramente, na construção pictórica da sua evocação: luz e sombras que o avanço da noite depressa irá alterar. Sobre o motivo, atento à sua fugacidade, João Vaz imobiliza o que os olhos veem, escurecendo as coisas e deixando pairar um sentimento atmosférico, de acordo com o ideário naturalista cujo grande tema é recriar a luz e submeter as formas à sua ação transfigurante, através da variabilidade da cor. Sem perda de verosimilhança identicável, ou seja fazendo-as representar como imagens de si próprias. Raquel Henriques da Silva