Faço, desfaço, refaço” – um dos ditos e escritos que a artista Louise Bourgeois eternizou como síntese de uma constante reelaboração de si que, mesmo quando parecia autodestrutiva, era fundamental para a integridade de sua persona e de sua obra. Aqui, apresenta-se uma paráfrase: “Quadro, desquadro, requadro”. Entra em cena o enquadramento – noção central para a definição de processos de representação e percepção em diversa linguagens artísticas – e as possibilidades de disputá-lo, burlar suas regras e reconstituí-lo atravessado por corpos e espaços.
Enquadrar não é só definir uma borda geométrica para uma imagem ou espaço, é também delinear uma mediação entre dentro e fora da ação, profundidade e epiderme da poética. Seja na pintura, no teatro, na dança, na fotografia ou no cinema, os enquadramentos mobilizam recursos de linguagem que incluem, mas não se limitam às bordas materiais da moldura, do frame e do proscênio. O quadro é a fronteira da cena, mas é também um indício de que existe um espaço interior à linguagem artística. As experiências modernas e contemporâneas procuraram de toda forma analisar seu funcionamento e alternadamente enfatizá-lo, negá-lo e reformatá-lo. Nesta exposição, contamos com a habilidade das artistas convidadas em assimilar parte da história do enquadramento e, ao mesmo tempo, explorar aparentes contradições ou fissuras em seu funcionamento.
Seus caminhos e linguagens são singulares, mas é possível aproximá-las pelas relações com aspectos estruturais do quadro. Ana Mazzei e Renata de Bonis abordam situações limítrofes entre o dentro e o fora da representação na história da pintura ocidental, traduzindo-as em dispositivos espaciais que abarcam o corpo do espectador. Claudia Briza e Marcia Beatriz Granero aproveitam-se da eficiência da linguagem cinematográfica em definir um campo narrativo verossímil para criar curtos-circuitos entre fato e ficção, pessoa e personagem. Já Patrícia Araujo e Manuela Eichner respondem às experiências do espaço urbano, imagético e/ou expositivo como quadros que editam seus corpos, reagindo com intervenções que extrapolam a unidade da imagem enquadrada.
A elas, juntam-se as contribuições de Clarice Lima, Dalila Camargo Martins e Carolina Bianchi, abertas ao público e detalhadas no folder da exposição. Seja nas linguagens abordadas em suas oficinas e performances, seja nas obras que ocupam as salas expositivas, a alusão aos quadros não devem necessariamente ser associada a aprisionamentos, afinal, como disse Louise Bourgeois em 2004: “O espaço é algo que você precisa definir. Senão, é como a ansiedade, demasiadamente vago”.
Núcleo de Pesquisa e Curadoria
Paulo Miyada and Olivia Ardui