UM PEQUENO DESEQUILÍBRIO
O exercício do funambulista é do domínio do maravilhoso.
Não só quando se realiza a enormes alturas, enfrentando perigos radicais (como o caso de Philippe Petit que atravessou, sobre um cabo em tensão, a distância entre o topo das malogradas Torres Gémeas do World Trade Center de Nova Iorque em 1974), mas também
quando, mesmo rente ao chão, nos é proposto.
A obra de Leonor Antunes que integra a Colecção da Caixa Geral de Depósitos é precisamente um exercício de funambulismo elementar proposto ao espectador. Há uma trave no solo e uma vara colocadas ao dispor do visitante para este poder testar as suas capacidades de equilíbrio.
O exercício não é particularmente difícil de cumprir, mas encontra-se discretamente dificultado pela proximidade em relação às paredes, impossibilitando o uso da vara como auxiliar de equilíbrio. Este é o ponto nodal da obra. Não só se trata de uma escultura que solicita um uso, uma manipulação, como possui uma armadilha que transforma esse processo num fracasso.
Muita arte contemporânea, em sintonia com a incerteza e a velocidade da mudança da segunda metade do século XX, encontra-se mais próxima da perturbação e do erro do que do sucesso. As obras são frequentemente dispositivos que propõem ao espectador uma participação – transformam o espectador em participador, como dizia o artista brasileiro Hélio Oiticica. É o caso das primeiras obras de Leonor Antunes, muitas vezes ligadas à arquitectura e à estrutura física do local para onde eram concebidas.
O desequilíbrio que esta escultura/dispositivo provoca relativiza o nosso ponto de vista e, sem necessitar de qualquer discurso didáctico, faz-nos entender a fragilidade da condição humana, a dificuldade da assertividade e a proximidade do erro.
No entanto, a sua grande virtude reside no facto de nos dar tudo isso a partir de uma sensação corporal, da vivência de uma pequena insuficiência do corpo. Assim, dá-nos o que a arte nos deve dar: uma melhor compreensão de nós, uma atenção focada na nossa corporalidade e no nosso ponto de vista através de uma experiência que, nas suas condições controladas, se transforma numa experiência estética.
Parece simples.
Delfim Sardo