MÁQUINA PARA VIAJAR
As caixas transformadas em mesas que suportam vidros onde estão pousadas campânulas são máquinas, ligadas por cabos. São, como dizia Joseph Beuys, baterias. No caso de Pedro Cabrita Reis, são máquinas movidas a uma energia que parece porvir de uma zona profunda, portuguesa e vernacular, ligada a uma memória de um tempo qualquer perdido entre o passado vago e a sua presença.
Pedro Cabrita Reis tem essa capacidade estranha de nos converter em activadores de um dispositivo de movimentação no tempo – as suas obras são máquinas de viajar no tempo, vernaculares na sua fragilidade. É na contraposição entre elementos que reconhecemos – dispositivos que pertencem a uma arqueologia da memória e a permanente ligação à ideia de construção, de edificação – que estas esculturas encontram o seu poder específico e eficaz.
Esta obra é o resultado de uma encomenda da Colecção da Caixa Geral de Depósitos e liga-se a outras peças que Cabrita Reis realizou nesta altura, nomeadamente a uma instalação extraordinária que o artista concebeu para Óbidos. Essa peça monumental intitulava-se Das mãos dos construtores (1992) e era composta por imensas condutas que desaguavam em habitações de tijolo, sóbrias e cegas. Na mesma altura, Cabrita Reis efectuou um conjunto de esculturas intituladas H. suits, que acrescentavam ao seu trabalho uma componente hospitalar, intimamente ligada ao corpo, trágica na fragilidade que definia uma visão antropológica da doença, da perecibilidade e da cura.
É na confluência deste universo que surge esta escultura, tão próxima da escala do corpo como uma peça de mobiliário, mas convertida em monumento.
Por vezes, o trabalho de Pedro Cabrita Reis leva esta escala monumental a uma dimensão arquitectónica, e a escultura transforma-se em edifício.
Em qualquer dos casos, nunca é o espaço enquanto tal que o seu trabalho aborda, mas a nossa relação com ele, mesmo quando a sua proposta – onde se cruza a memória romântica, a nostalgia do humanismo racionalista, a arqueologia de um pensamento pré-artístico e a prestidigitação – toma o modelo da catedral ou o seu oposto, a favela, como matriz.
Aqui, no entanto, é a escala humana e do corpo que, levemente ampliada, faz viver esta máquina obsoleta, esta bateria apenas crível à luz eléctrica.
Delfim Sardo
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