CO-1432
Costa, Waldemar da. [Carta] 1933 out. 21, Petrópolis, RJ [para] Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 4 p. [manuscrito]
Caro Portinari Amigo
De volta à calma maravilhosa da Granja, venho te pedir desculpa de não ter ido, como prometi, na sexta-feira, para admirarmos juntos os Argentinos, tão bem representados nas Belas Artes.
Eu podia dar várias desculpas, mas a verdade, a única (o que não é desculpa, é absolvição), é que saturei-me de tal maneira do Rio e da falsidade estúpida de sua civilização de grande cidade, que, tendo que assistir a uma missa na Candelária por alma da mãe de um daqueles rapazes que foram conosco ao cinema, missa que se realizou às 8 da manhã, fiquei sem coragem de voltar à Copacabana e fazer a minha vida de cidade, então segui para Leopoldina, onde tomei o trem cá para cima.
Portinari, o Rio está reduzido para mim em 2 pessoas, Silvia e Candinho; não cito Maria, porque ela e tu formam um único a que hoje não podemos deixar de pensar simultaneamente ao falar de ti.
Aquele defeito que te citam, que és mau brasileiro, por seres filho de estrangeiros, para mim, agrava-se em duplo, pois que, além de estar em paridade de circunstâncias, tenho a agravante de ter sido educado noutro país. Sinto, pois, tanta diferença de caráter, quando estou em contato com este povo, que a única idéia que tenho é de fugir.
Mesmo os que se julgam civilizados e que tiveram, como ensinamentos básicos, as civilizações estrangeiras e, sobretudo, a francesa, à vezes quando não estão copiando e são brasileiros, ficam tão imbecis que a gente é obrigado a não mais tomar a sério tais senhores.
No “Correio da Manhã”, em seção mundana de domingo, descrevia-se uma reunião no Country Club, em que os graçons, para libertarem as senhoras da impertinência dos borrachudos, tinham que estar de bombas de Flit, seringando as pernas das damas.
Quando, porém, vem um estrangeiro que se admira e marca a grande variedade de bichos, que fazem “entourage” ao Rio, os brasileiros - que nunca saíram daqui, que não viram a diferença entre os arredores das grandes cidades européias e as da Capud mates do
Brasil - ficam revoltados, julgando que esses estrangeiros, em lugar de ir buscar assuntos inéditos para as suas crônicas com os bichinhos, iam buscar as suas obras, traduções baratas do pensar alheio.
Salvo, pois, para a manutenção do turismo (fonte de riqueza citada por todos os brazucas), a casa de sapé onde as crianças são mordidas por aranhas venenosas, onde há pequeninas cobras corais emborcadas a cada canto; a floresta emaranhada e impenetrável onde a faca de macaco se encarrega de [ilegível] todo aquele que ousa ofender a sua tranqüilidade; os bichinhos para que, cansando a admiração do estranja, fique célebre pela variedade máxima de [ilegível], de aracnídeos, de louros, ofídios etc. etc.: já que a civilização ainda nada produziu que prove a sua realidade e direito de existência.
Vem, pois, Portinari, repousar da cidade “bleef” e, na Granja Santa Rita, encontrareis o campo e um amigo que sofre como tu o epíteto de não ser um bom brasileiro.
Abraços para Maria e para tu
Waldemar
Diz à Mariazinha que não se esqueça de trazer este prato tão nacional de macarrão à Italiana. Escrevam avisando ou telefonem - P.S. 2 Corrêas. Abraços
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