Uma das mais surpreendentes descobertas reveladas no chamado "Fundo Antigo" do Museu Nacional do Azulejo – vasto espólio de azulejos proveniente de conventos extintos, igrejas e palácios demolidos ou profundamente alterados, e cujo inicio teve lugar ainda na década de 80 do século XIX – são estes dois painéis, associados à narrativa da vida e milagres de Cristo. A sua grande dimensão permite-nos pressupor tratar-se de elementos que integravam um vasto programa iconográfico, onde estes quadros estariam emoldurados por uma barra, hoje desconhecida, como se de grandes tapeçarias se tratassem. Esse contorno, com toda a probabilidade composto por dois azulejos de largo, conferiria, a cada um dos painéis, um maior efeito cenográfico, que a sua grande dimensão já de si impõe. Estas peças estão indubitavelmente associadas ao chamado Ciclo dos Mestres (1690-1725), considerado o apogeu da azulejaria figurativa portuguesa em azul e branco. No tratamento plástico da pincelada e nos contrastes entre claro-escuro aqui patentes, poderemos estar perante obras relacionadas com o Mestre P.M.P., pintor que terá colaborado com a família Oliveira Bernardes, uma das mais reputadas ao tempo e experiente no ilusionismo pictórico. Deste artista, do qual unicamente conhecemos as iniciais, mais conotado com imagens ligadas à representação de uma certa mundanidade galante, inspirada em gravuras francesas, conhecem-se, não obstante, alguns conjuntos religiosos. A composição da Cura do cego parece remeter para referentes italianos da pintura a fresco: a narrativa dividida em dois momentos, com o pedinte cego, em segundo plano, sob a indiferença dos que se encontram junto dele; a massa que compõe o grupo de apóstolos que se posicionam por detrás de Cristo, evocativa das obras de Massaccio ou Piero della Francesca, mas, acima de tudo, o gesto suspenso de cura, centro e eixo da composição, a que a dimensão quase natural das personagens vem dar realismo. Também o Batismo parece evocar essa estética italianizante, no contraste entre a figura maciça de São João Batista e a sensualidade do corpo de Cristo, salpicado pela água vertida da concha de vieira, também esse o movimento primaz da imagem aqui narrada.
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