Letter

CO-1767 Firmeza, Mozart. [Carta] 1935 mar. 19, São Paulo, SP [para] Candido Portinari, [Rio de Janeiro, RJ]. 5 p. [manuscrito] Meu caro Portinari: Outro dia, tive o prazer de receber a visita do seu irmão, que conheço há muito tempo aqui em S. Paulo. Não era a primeira vez que ele ia à minha casa; mas, desta feita, sua visita revestia-se de uma maior significação, qual a de me entregar o quadro que você teve a gentileza de mandar, e que eu achei interessantíssimo. Minha pequena coleção ficará assim enriquecida extraordinariamente. Disse-me ele que você me havia escrito, há dias, uma carta. Se você m’a escreveu realmente, até agora não a recebi, o que é lamentável. E bem que eu gostaria de saber o que você está fazendo e o que pretende fazer. Recebi, a semana passada, uma longa carta do Aliseris, acompanhada de algumas fotos de recentes trabalhos. Comunicava-me também que seguiria breve para a Europa, por conta do governo uruguaio e, passando pelo Brasil, gostaria de rever os “buenos amigos”. Hoje, chegou-me às mãos, remetido por ele, o jornal de Montevidéu La Mañana, que estampa o clichê de um quadro sobre santos, o qual Aliseris acaba de vender para o Museo Argentino de Bellas Artes. A tela denomina-se “Casinhas assues”, uma paisagem com casas trepadas nos morros. Foi adquirido por mil pesos. O movimento de arte aqui continua mais ou menos estacionário. Estou inclinado a crer que a mediocridade da maioria dos nossos artistas, alguns com real talento inaproveitado ou mal aproveitado, explica-se pela falta de ambiente. O isolamento em que eles se deixam ficar corta-lhes as asas e os faz marcar passo indefinidamente. Outro inimigo é a falta de cultura, bem como, e sobretudo, a pobreza em que eles vegetam, sendo obrigados a pintar ao gosto do grande público, pois são casados e geralmente têm muitos filhos... Num artigo escrito especialmente para o “Mensário de Arte”, eu dizia que a salvação só poderia ser levada a efeito pelo governo, instituindo prêmios capazes de estimular e justificar a execução de obras de maior fôlego e com maior liberdade. Eu, por mim, tenho feito o que me é possível, a fim de quebrar um pouco a força da tradição, neste Estado feudalíssimo que é S. Paulo. E a reforma por que vão passar os estatutos da Soc. de Bellas Artes, os quais datam de 1924, considero-a em parte uma conseqüência das minhas campanhas. Os artistas dali são todos conservadores. Sem embargo, há também uma corrente forte de artistas modernos, que acabam mesmo de se organizar em grupo. São sete, entre os quais está Brecheret. Faz parte igualmente desse grupo dos sete a pintora húngara Yolanda Lederer Mohalyi, que é um extraordinário temperamento de artista, não sendo S. Paulo em absoluto um meio para ela, tal o caminho avançado que ela vem trilhando. No III Salão deram-lhe, não sei como (talvez por medo) uma pequena medalha de ouro. Seu irmão falou-me de um convite que você tivera para realizar uma exposição em Buenos Aires, assim como uma nos Estados Unidos. Continuo pensando e a fazer votos no sentido de que você, independente de sua orientação quanto à técnica, como característica da arte moderna, sem finalidade revolucionária, não se abstraia dos assuntos brasileiros por excelência, podendo você ter uma forma universal com um conteúdo nacional. Aqui, disponha sempre do velho amigo . Recomendações à Maria e receba um grande abraço do Mozart Av. São João, 578 ap. 43 2