“O azul desmaterializa os corpos, iguala-os ao céu, ao ar. A linha de horizonte desaparece: não há mais terra nem concretude, o vazio do lugar é o vazio do fim. O título das obras corrobora o que é expresso formalmente: o artista prepara-se para a última etapa de sua vida. Mesmo lutando como sempre lutou, mesmo continuando a pintar, sente o que se aproxima. O fundo invade as figuras, predomina sobre ela, torna-se, ele próprio, a figura: o ‘lugar’ que permanece após a nossa partida. Os corpos assemelham-se a fantasmas de passagem.”
CATTANI, Icleia Borsa; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 91-92.
"[...] Especialmente nas últimas telas, a matéria freqüentemente surgiria lassa, desamparando as personagens; as cores, em sobreposições indecisas quanto a serem quentes ou frias, sujavam-se e aniquilavam-se reciprocamente e o gesto mostrava-se destituído da eloqüência que marcara a produção precedente. Eram, não se pode esquecer, tempos de celebração da 'volta à pintura', da qual o artista jamais havia saído, não por opção, mas por aquela necessidade interna, que o levava a testar continuamente a plasticidade da matéria e a resistir à empiria.
O preço de sua perseveração na pintura até aquele final do século XX fora justamente a perda da plasticidade, do movimento e da temporalidade da matéria, cujos signos haviam sido, por excelência, os elementos motrizes que povoaram toda a trajetória do pintor: carretéis, dados, bicicletas. Ora, àquela altura, as obras já não podiam experimentar esses objetos / acontecimentos em sua dimensão fenomenológica, visto que era dessa impossibilidade da experiência que tratava a interminável 'morte da pintura' à que o artista se dispusera, e que terminara por conduzi-lo àquele ponto irrevogável. Entretanto, as obras teatralizavam aqueles acontecimentos sem ressaibos de paródia, sem tematizá-los; expunham-nos num cenário minimalista, a narrativa e a retórica ausentes, as personagens não particularizadas por qualquer psicologia individual. Aí estavam, afinal, traços essencialmente anti-heróicos da obra de Iberê, testemunhando, a despeito da imagem romântica que dela se cristalizou, uma inesperada dimensão realista – um realismo que não seria, evidentemente, demonstrativo nem filho das luzes, mas exasperadamente visionário."
SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 56-57.
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