191093
Recordo-me de, no dia 19 de Outubro de 1993 ter entrado na Sala do Veado do Museu de História Natural, em Lisboa, onde inaugurava uma exposição de um artista que haveria de ter um percurso muito fugaz porque outras actividades o tomaram.
Na primeira das duas salas, onde à época se lançava um dos mais recentes espaços expositivos independentes de Lisboa, estava uma pequena escultura de parede, uma partitura numa estante com um desenho e título da exposição. O que, no entanto, ocupava a nossa estranheza era o som, uma espécie de coaxar mecânico e obsessivo que vinha da segunda sala e nos puxava para o interior.
Nessa segunda sala estava suspenso um enorme lustre formado por círculos concêntricos de pequenos envoltórios de plástico transparente. Em cada um desses envoltórios estava um pequeno ser, um minúsculo animal mecânico que se mexia ritmada e freneticamente no saco de plástico. De todos os sacos partia um fio eléctrico que alimentava os pequenos animais, originalmente cães de pelúcia mecânicos que haviam sido esfolados das suas peles sintéticas.
O ambiente histriónico parecia saído da casa de J. F. Sebastian, a personagem de Blade Runner, filme de Ridley Scott de 1982. O som dos latidos dos cães mecânicos, os gestos repetidos das patas, o zumbido das pequenas cabeças a rodar, presos nos casulos transparentes produziram uma das mais notáveis envolvências cenográficas da arte desse início dos anos noventa.
Mais tarde, Francisco Rocha faria uma outra instalação no mesmo espaço, belíssimo na brutalidade das suas paredes de betão.
Era agora uma enorme parede feita de teias de aranha – do mesmo tipo das que são usadas nos adereços cinematográficos –, um corpo orgânico que dividia o espaço. Haveria de repetir, sob diferentes configurações, essa mesma peça na Bienal Internacional de Desenho e Escultura de Óbidos, no mesmo ano, e depois na exposição Identidad/Diversidad no Circulo de Bellas Artes de Madrid em 1993.
Essa teatralidade correspondia a um momento no qual a produção artística portuguesa ganhava, finalmente, escala e consciência do valor da presença.
Delfim Sardo
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