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É como dançar sobre a arquitetura

Instituto Tomie Ohtake2017

Instituto Tomie Ohtake

Instituto Tomie Ohtake
São Paulo, Brasil

A vigília dos surrealistas nos legou a lucidez de que a linguagem é um campo de disputas em que as vantagens estão sempre do lado do poder instituído. Os escritos de Georges Bataille, especialmente, pulsam com a convicção de que a moral, a razão, a linguagem e a arquitetura funcionam todos como prisões para o homem, camisas de força que tornam tangível a estrutura de poder de uma época e excluem o risco de contato com qualquer ruído ou sujeira que possam maculá-la. A cidade, os monumentos, a arquitetura, as casas – todos podem ser lidos como linguagem e, portanto, basta saber lê-los para encontrar mapas bastante precisos de quais as forças dominantes em cada contexto.

No caso de São Paulo, por exemplo, tão significativa quanto a idealização heroica do passado local feita pelo Monumento às Bandeiras construído para celebrar o quarto centenário da cidade, é que o mais conhecido dos monumentos paulistanos recentes seja a Ponte Estaiada para automóveis sobre a marginal Tietê, na região de negócios da avenida Berrini. E se nos aproximarmos da escala dos cidadãos desta e de outras grandes metrópoles, quantos não são aqueles que consideram as ruas, as calçadas, os locais de trabalhos e por vezes até suas próprias casas – supostos lugares de identificação e conforto – como uma sequência de espaços de constrangimento, em que a mente procura se manter alheia do desconforto contínuo dos corpos continuamente oprimidos por uma agressividade que nem se sabe bem como nomear?

É que a cidade contemporânea perdeu a conexão com o corpo humano, enquanto suas ruas, praças, avenidas e pontes foram reduzidas a meros locais de passagem. Como aponta o historiador Richard Sennett, a vinculação do sujeito com seu entorno tornou-se inexistente,configurando o que ele chama de “liberdade de resistência”. É como se a cidade fosse uma língua que não praticamos mais como linguagem, apenas percebemos como discurso pronto e, quase sempre, árido e áspero.

Como as polêmicas recentes têm demonstrado, reivindicar a possibilidade de falar a cidade, disputar sua aparição como linguagem ou introduzir ruído em sua imagem oficial é colocar-se em tensão e risco. Disso sabem muito bem os que fazem manifestações, os que pintam muros, os que escalam paredes, os que fazem da cidade pista, palco ou painel. Como se antecipasse essa situação, existe há muito tempo uma famosa expressão entre músicos norte-americanos que pode ser traduzida assim: “Escrever sobre música é como dançar sobre arquitetura”. A analogia implica que a escrita estaria tão distante da experiência musical quanto a arquitetura, fazer duradouro, está da efemeridade da dança. É claro que corpo, espaço, dança e arquitetura possuem diversos níveis de relação, mas o dito nos lembra de uma indiferença fundamental, especialmente do lado da construção dos espaços contemporâneos.

A inércia do construído quer ignorar asinvenções de espacialidade que não venham do Estado ou dos proprietários dos lotes urbanos. É um pouco quixotesco investir em uma disputa tão desigual; mas há quem insista e continue tentando escrever sobre música e dançar sobre arquitetura, ensaiando insurgências que tiram sua força (tática e poética) da efemeridade.

Desde da arte contemporânea, artistas como Jorge Soledar, Lia Chaia e João Castilho catalisam e reinventam modos de fazer emergir nos espaços o movimento (e o enrijecimento) dos corpos. Entre fabulação inventiva e justaposição absurda, coreografia performativa e enfrentamento disjuntivo, as obras aqui reunidas abrem uma gama de possibilidades que relembra que as maneiras dos corpos "falarem" seus espaços vão além das categorias e nichos já formatados para a cultura, a arte e a liberdade de expressão nas cidades atuais.


Núcleo de Pesquisa e Curadoria
Paulo Miyada, Carolina Mologni, Luise Malmaceda, Priscyla Gomes and Theo Monteiro

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  • Título: É como dançar sobre a arquitetura
  • Criador: Instituto Tomie Ohtake
  • Data de criação: 2017
  • Local: São Paulo
  • Palavras-chave do assunto: Instituto Tomie Ohtake
  • Tipo: image
  • Direitos: Instituto Tomie Ohtake
  • Meio: image
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