CO-965
Bulcão, Athos. [Carta, 1946],
Rio de Janeiro, RJ [para]
Candido Portinari; Maria Portinari, [Paris]. [manuscrito]
Prezados amigos Portinari e D. Maria:
Nem vale a pena insistir no quanto estou em falta com vocês, mas creiam que vontade de mandar notícias não é o motivo pelo qual não escrevo mais. É que não há mesmo muito assunto que possa interessar. O ambiente aqui tem piorado muito. No Campo das artes plásticas, então, o racionamento é quase absoluto. Houve uma exposição de grande sucesso que foi a de Lula Cardoso Ayres, simplesmente ruim. A crítica elogiou-o muito , pela “novidade dos temas” e outras bobagens. Era fácil analisar a qualidade da pintura dele pelos retratos de pretos e caboclos que expôs.
Há agora uma exposição uruguaia, com vários acadêmicos, Barradas e Figari. Este último é melhor, mas excessivamente ingênuo para a vida política (de deputado, jornalista e advogado) que exerceu até os 57 anos, quando foi para a Europa. Creio que seja mais interessante que Cícero Dias, caso, de certo modo, parecido com o dele. Há ainda uma exposição do irmão gêmeo do Marcier, que se chama André [ilegível]; é surrealista e expressionista. Acredito que foi a melhor exposição que temos visto ultimamente.
Iara fez um sucesso incrível. Acho que executaram bem sos seus projetos; a coreografia é muito bonita, principalmente no quadro final dos “Retirantes”, em que conseguiram, muito bem, mostrar a calamidade da seca; os artistas foram chamados à cena mais de 10 vezes. Melhor do que eu poderão falar os críticos americanos, onde o “ballet” vai estrear em outubro. Procurarei obter notícias e lhes remeterei. Trata-se em dúvida de um “ballet” de 1ª qualidade.
A luta pela bolsa está feroz, mas devia ter-se decidido ontem, embora o resultado só possa ser dado daqui a alguns dias. Estou com muita esperança, pois a sua carta é a que pesa mais e creio que não deu outra melhor a ninguém. Escreverei breve.
Estive ontem com o Loy, e prometi procurá-lo. Já estou morando com a minha irmano endereço citado.
Muitos abraços saudosos do amigo que muito os estima.
Athos
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