CO-3408
Meyer, Augusto. [Carta] 1937 out. 28, Porto Alegre, RS [para] Candido Portinari, [Rio de Janeiro, RJ]. [datilografado - manuscrito]
Compadre velho
Um grande abraço de saudade, mas de saudade autêntica, comichão d’alma tipo bicho de pé. Ando com uma vontade louca de voltar, pra descer do ônibus na rua Pires de Almeida e espiar de longe a casa do Compadre, tamborilar na porta, prosear caudalosamente. Recebi a carta, meu compadre, e fiquei estarrecido como uma besta. Uma pontinha de raiva por não ter visitado Minas com você, a comadre, o Aníbal e o Santa, que pena! Isso não se faz. Foi uma traição indecente... Fiquei contentíssimo com o entusiasmo do nosso amigo Capanema pelos afrescos do Ministério. Mas também, que diabo, não podia deixar de gostar. O seu trabalho vai muito além da encomenda, essa é que é a verdade. V. não mandou dizer como vão as decorações, ou melhor, as cenas de caça, quero saber de tudo direitinho, como se ainda estivesse aí. A saudade do salão rosa e de vocês todos me atrapalha até para ler, estudar, trabalhar. Aí eu sou outro homem, falo, invento, vivo. Tenho andado como um peixe fora d’água. Você não imagina como a Sara também anda saudosa, fala todos os dias em vocês, na comadre Maria e na Olga. Disse que escreveria uma carta enorme, não sei se já escreveu. Eu não respondi logo porque estive meio pesteado, com um inchaço na cara, conjuntivite, óculos escuros. Passei vários dias de molho, trancado em casa. Agora já estou melhor. Meu caro Portinari, v. mande as últimas notícias da tribo, telefone já e já ao grande Manuel, dizendo: um abraço do Meyer, um abraço de verdade. Diga ao poeta Murilo que o Carlos Dante recebeu a carta dele e me transmitiu o recado – vou mandar sem falta pra ele o Wamosy e os outros poetas do sul. Murilo vai bem? Abraços também para o Aníbal, uma das melhores invenções do Rio, quintessência de polidez, de cultura e de agilidade mental num pequeno frasco. Diga que escreverei e mandarei os meus livros. Pra v., compadre, nem é preciso dizer que mando, é claro. Pedi uma porção ao pessoal do Globo e eles só me deram dois. Dia 3 seguem os livrecos, sem falta. É preciso distribuir abraço a torto e direito por esses amigos ótimos, não esquecer a cozinheira que é uma santa e prepara quitutes pra todo o exército que acampa gastronomicamente na sua toca. Saudade do cafezinho da comadre, o melhor do mundo. Saudade até das laranjas, o que é impossível. Muito obrigado pelos endereços do Prudente e do Sérgio. Prudente receberá um barril de erva pro chimarrão, já fui ao boliche dum sírio esperto que trabalha exclusivamente com erva e fumo crioulo. E o Tavares, técnico, um cunhado do Theodemiro Tostes, menor que o Aníbal, foi quem escolheu. Sérgio receberá alguns livros de história do Rio Grande. Você faça o favor de telefonar também ao poeta Drummond, um forte abraço pra ele e um recado: não esquecer a Biblioteca Pública do Estado, quando fizer a expedição de obras aí no Ministério. E enviar também alguma coisa para a Biblioteca Rio-Grandense, da cidade de Rio Grande, a mais antiga e mais rica do Estado. Você não se esqueça, compadre Candinho. Diga ao poeta Drummond que eu e a Sara mandamos lembranças. E o retrato? A gente aqui esperando com ansiedade um presentão desses, e mestre Portinari nem nada, charutando como chaminé e xingando: “num vale nada... um burrrro...” Se v. não mandar o retrato, organizo uma quadrilha de gatos e vou ao Rio dar uma batida na sua toca. Estou imaginando agora o salão rosa, o Santa Rosa... Abração no Santa e recomendações à Glorinha. Diga ao poeta Vinicius que “Ariana” é admirável, a melhor coisa dele. Vou
escrever. Poeta Quintana gostou muito. Abraços. Está no fim.
Já acharam casa?
Vamos agora trabalhar nas ruínas de São Miguel. Meu caro Portinari, lembranças também ao Ovalle, ao Dante (como vai o poeta Dante, vou mandar alguns livros pra ele), ao seu Ferreira, ao Carlos Leão... a todos. Escreva, compadre, estou com muita saudade. Um abraço
do Meyer