CO-2120
Portinari, Candido. [Carta] 1953 set. 3, Rio de Janeiro, RJ [para] Lima de Freitas,
Portugal. 2 p. [datilografado]
Prezado amigo Lima de Freitas
Com agradável surpresa, deparei no último número de Vértice, a carta aberta que os jovens pintores portugueses me dirigiram. Surpresa agradável porque não imaginei que os jovens emprestassem valor ao que eu pudesse dizer. Por isso, avesso a escrever, aqui estou tentando, penosamente, com dificuldade de linguagem, esclarecer as dúvidas suscitadas.
Não tendo à mão a entrevista original publicada no Rio, não posso compará-la com os fragmentos insertos no número 112 de Vértice. A entrevista do Rio não foi deturpada, mas uma afirmação minha: “Primeiro penso como homem” – em vez de ficar no início da palestra saiu no fim, dando margem a confusões.
O que penso como homem, penso como artista – e quando disse que no ato de pintar só me preocupa a pintura quis, com isso, esclarecer que a forma e a cor me preocupam.
O abstracionismo é o embrião do quadro. Não quero dizer com isso que meus quadros sejam abstratos, nem que com formas abstratas se exprima um conteúdo realista. Trata-se do esquema material do quadro. Primeiro, parto da necessidade de exprimir um tema que eu sinta. No ato de executá-lo faço logo uma distribuição de formas, para em seguida apurá-la e tornar o assunto legível, como penso ter feito em meus trabalhos já realizados. Quando pinto (ato de pintar) não me preocupo com o tema porque este já está amadurecido dentro de mim. Não se pode separar a forma e o conteúdo; disse que me preocupo com as cores e formas tanto ou mais do que os que se arvoram em seus senhores.
Está claro que não pretendo reduzir a arte moderna a certos formalismos da Escola de Paris.
Quando falo dos murais (14) de Batatais dizendo ter partido de formas abstratas – com isto quis esclarecer que não são histórias em quadrinhos (como certos críticos daqui qualificam os realistas)
Na questão da técnica é preciso um pouco de calma e não pensar que só por ter encontrado um bom tema o quadro já está realizado. Creio que é preciso saber o ofício como o sabiam os antigos.
Quanto ao Tema: o Tema é o homem.
Com respeito à sua quinta pergunta, minha frase foi incompreendida. Um artista deve ser modesto e procurar ver a sua obra passada, não para renegá-la, mas sentindo a não a haver feito melhor.
Portinari
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