CO-1574
Dionísio, Mário. [Carta] 1953 out. 7, Lisboa [para]
Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p. [datilografado]
Querido Amigo:
Não supõe a alegria que me deu receber a sua carta e a nova prova de amizade e confiança que nela me dá. Nem tudo serão cardos nos duros dias de hoje!
Recebi igualmente as fotografias dos seus trabalhos (é notável a síntese que atingiu nas pinturas de Batatais), como recebi o número do “Time” com a reprodução colorida do projeto de um dos seus murais para o palácio da ONU. Muito obrigado por tudo. Fico interessadíssimo em saber se as complicações burocráticas a que se refere estão resolvidas e se começou finalmente esta sua nova afirmação de beleza e de luta. É indispensável que o seu trabalho continue, pois a arte, nas suas mãos, desdobra-se em enriquecimento humano e em lição. Comovidamente sempre verifico que ela segue imperturbavelmente nessa direção e que todos os esquematismos e contradições que em nós mesmos se insinuam se quebram contra a sua bela realidade.
A “carta aberta” a que você teve a gentileza (quanto a mim, excessiva) de responder é apenas um dos ecos das muitas e desgraçadas coisas que entre nós se têm passado. Claro que o autor da nota não falava nada em nome dos jovens pintores portugueses e que o principal visado, por mais paradoxal que isto apreça, não era você mas um colaborador da revista (pessoa, aliás, da maior seriedade, que antes publicara uma nota justíssima a da maior simpatia sobre a sua entrevista no “Jornal de Letras”). Meandros de política doméstica, neste momento infelizmente assaz triste e confusa. Tal confusão, não só triste como grave, levou-me a cessar por algum tempo a minha colaboração em toda a imprensa. Eis porque não pude interferir no sentido de não se publicar aquela lamentável “carta aberta”, que é um modelo de primarismo, de suficiência e de provocação. Não são alegres os dias que vivemos!
Por tudo isto, não quis sozinho (senti que não devia tomar a responsabilidade, para que você tão amigamente me dava poderes) resolver. Conversei com amigos da redação e assentamos em que a sua resposta saísse (até pelo grande prazer de inserir um original seu)., já que ela é tão eloqüente e justa na sua simplicidade. Sairá no próximo número.
O meu projetado livrinho sobre a sua obra não tem tido felicidade. As condições editoriais não são nesta altura favoráveis (amanhã poderão ser outras) e, por outro lado, vejo que a sua obra depois de 1946 tem tomado tais proporções (que eu só conheço de fotografia), que começo a sentir-me desatualizado e a recear estar fora da matéria principal. Não abandonarei, porém, o estudo do assunto, que, como sabe, me apaixona.
Recebeu o meu livrinho sobre Van Gogh? Estou agora a trabalhar numa “Introdução à Pintura na Atualidade”, que é o desenvolvimento de uma série de oito conferências que fiz o ano passado na Faculdade de Ciências de Lisboa. Quando tratei do realismo dos nossos dias, dei garnde desenvolvimento à sua obra e projetei muitos trabalhos seus, em conjunto e em pormenor. Digo-lhe isto apenas para que saiba que o público, sempre muito numeroso e composto de estudantes de várias faculdades, se interessou imenso pela sua pintura e me fez muitas perguntas sobre os murais, bibliografia a consultar, etc.
E, por hoje, querido Candido Portinari, adeus. Muitas saudades de minha mulher e minhas para Maria. Beijos ao João Candido. Boa saúde, bom trabalho e um grande abraço do muito amigo e admirador
Mário Dionísio
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