CO-1567
Dionísio, Mário. [Carta] 1946 out. 14,
Lisboa [para]
Candido Portinari, Paris. [datilografado]
Meu caro Portinari:
Espero que tenham recebido a carta que escrevi há dias, como espero que me desculpem a impertinência constante com que vos bato à porta. Bato ainda ao 22, deuxième étage, mas infelizmente não vos posso dar pessoalmente o abraço do costume, nem saborear esse belo oásis parisiense que eram as boas chávenas do bom café brasileiro...
Como vai a saúde de todos e como tem decorrido a exposição? Estou ansioso por saber de tudo e bastante interessado também em saber se o problema da venda dos quadros se resolveu. Disse-me um amigo que vira num dos “Espantalhos” a indicação de “vendido”. Se assim é, suponho que não será o único quadro que ficará em
Paris. Contanto que os franceses saibam guardá-los bem (para que aprendam alguma coisa ao mesmo tempo) e não os venhamos a saber, dentro de pouco tempo, em New York...
Escrevo hoje para mais uma maçada (como sempre, não é?) a respeito do nosso álbum. Suponho que será uma ótima maneira de resolvermos o problema da quatro reproduções a cores – e com rapidez, se o Portinari quiser e puder ter uma pequena maçada. Diz-me o meu editor que há casas em Paris que se poderão encarregar de fazer aí a fotografia a cores dos quadros que interessam e enviar a coisa pronta para aqui. É assim? E, em caso afirmativo, poderia o Portinari dar-se ao incómodo de descobrir uma dessas casas, um desses fotógrafos e indicar-lhe o que desejamos?
Tratava-se apenas de encomendar-lhe o trabalho e de por a pessoa em questão em contato com o editor daqui que é ARS EDITORIAL LTDA – Rua dos Douradores nº 100, 4º - Dº - Lisboa. Para preço, pagamento, etc., o fotógrafo ou casa daí escreveria quanto antes a este editor e o caso tratar-se-ia entre eles. Quanto aos quadros a reproduzir, gostaria muito da sua opinião. Quanto a mim, se tiver o seu acordo, ficaria satisfeito se fossem: Sorveteiro, Baiana (refiro-me ao quadrinho que está à direita dos Retirantes que reproduzi no Globo, portanto na parte central da parede da direita da sala grande, quando se entra), Choro ou o Espantalho (parte central da parede da esquerda, mas preferiria o Choro – Choro ou Coro?) e Enterro na Rede (substituível, mas só em último caso, pelo grupo de Retirantes, também da parede da esquerda). Isto é: Sorveteiro, Baiana (trata-se do quadro com uma baiana sentada de frente e outras à esquerda, tendo também, salvo erro, à esquerda um coqueiro), Choro e Enterro na Rede.
Suponho que esta carta chegará aí tempo de me poder fazer este favor. Ficaria então tudo resolvido.
Quanto às críticas daí, tenho agora mais interesse do que nunca, pois neste momento não chegam aqui nenhuns jornais franceses, onde possivelmente virão críticas com interesse à exposição.
A vida aqui é bastante difícil, principalmente nestes tempos agitados de post-guerra, por causa da falta de gêneros. Em todo o caso a família vai ótima. A minha miúda não dá cuidados. E a minha mulher, que muito se recomenda, com todos os amigos, goza boa saúde.
Dê as minhas saudades a todas as gentis pessoas que aí conheci. As minhas saudades para Maria, João Candido e Inês. Um grande abraço do seu sincero amigo e admirador:
Mário Dionísio
2