CO-1578
Dionísio, Mário. [Carta] 1955 dez. 20, Lisboa [para]
Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p. [datilografado]
Querido Amigo:
Um grande abraço! Preparava-me para responder à sua última e, como sempre, tão simpática carta, quando recebi a alegria que a sua velha amizade me quis proporcionar. Obrigado! Mil vezes, obrigado! Conhecendo o interesse que tenho pela sua obra e a estima com que, embora de longe, acompanho a evolução do seu trabalho, avaliará bem a felicidade que me dá possuir um original seu. Mal o
Ferreira de Castro me telefonou a comunicar a notícia, corri à livraria onde a encomenda me esperava. E agora, enquanto lhe escrevo, tenho o desenho em frente dos olhos e encontro nele as tantas palavras que trocámos aqui em Lisboa há nove anos (já!), as tantas tardes de Paris e um mundo de coisas que certamente não chegamos a dizer e estão gravadas nestes traços, nestas cores, nesta pobre matéria dos lápis de cera a que Você consegue dar uma riqueza que é surpreendente. Os que só vêem na arte um jogo, não poderiam compreender o que este desenho (certamente um dos seus muitos desenhos preparatórios para as ilustrações da “Selva”. Ou não?) me traz, de si, do homem de hoje, desta certeza que nos tranquiliza e ilumina e nos empurra, através das tantas contrariedades, amarguras, entraves de toda a espécie, que nos tem sido dado conhecer e experimentar nos últimos nove anos. Tudo está preso a tudo. A luta por um realismo moderno e os problemas desse próprio realismo estão cercados por dificuldades imensas, externas e internas. Ultimamente, surgem sintomas de grandes mudanças. E é com uma alegria verdadeiramente estimulante que sinto aproximar-se o tempo em que a compreensão finalmente chegará e que uma pintura realmente nova, como a sua, conquistará essa compreensão (nem sempre a aceitação é compreensão) a uma escala geral. O seu triunfo está assente. Cercam-no admiradores inúmeros. Tem amigos espalhados em todo o mundo. Mas a glória a que me refiro e que o espera é uma glória maior: a glória de ser esse o caminho.
Os recortes que o Ferreira de Castro lhe enviou dão-lhe a medida do interesse que as ilustrações aqui despertaram. Infelizmente, a minha vida profissional não me deixou deslocar ao Porto para assistir, como estava previsto, à inauguração da exposição. Mas sei que os visitantes faziam bicha à entrada e que o Ferreira de Castro autografou dezenas e dezenas de catálogos. Vi a transcrição do meu pequeno texto num jornal daí, o “Correio da Manhã”. E fico satisfeito por saber que ele lhe agradou.
O meu plano de escrever um pouco mais demoradamente sobre a sua pintura não desapareceu. Apenas tem sido adiado por circunstâncias várias. Neste momento, o livro que estou a publicar (e que está a sair em fascículos mensais) rouba-me todo o tempo. Veremos.
Talvez nos vejamos antes do fim do ano, diz-me Você. Mas como? Pensa passar por aqui? Seria uma ótima idéia. Temos verdadeiras saudades dos três.
Até breve, então. E, se assim não for, votos de um feliz Ano Novo, de trabalho, de saúde e de Paz. Saudades de minha mulher e minhas para sua senhora. Um abraço para João Candido. E outro, muito grande, para si, do velho amigo e admirador de sempre
Mário Dionísio
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