"Em 1969, convivi com Iberê por um ano inteiro, quase que diariamente. Ia ao seu ateliê pintar e vê-lo pintando. Na época, ele era professor de gravura no Rio de Janeiro, mas não conseguia dar aulas, porque o ateliê não tinha material. Como recebia um pagamento mensal do MEC, ele sugeriu dar aulas no Instituto de Artes em Porto Alegre, o que foi autorizado. A iniciativa, porém, não deu certo, o ateliê aqui também não funcionava direito, e ainda rolou um certo ciúme em relação a ele.
Então, uma professora, da qual não lembro o nome, amiga do Superintendente do Serviço Penitenciário, disse o seguinte: 'Se os livres não te querem, que tal dar aulas aos presos?''
. Iberê topou e me chamou como assistente. Tínhamos uns oito ou dez alunos, e as aulas eram dadas numa sala da Administração. Eram presos de vários tipos; o mais simpático de todos era o autor do crime da mala, aquele que tinha esquartejado uma pessoa e jogado no Guaíba... Iberê não ensinava a pintar, ele apenas educava o olhar, e fizemos até uma exposição na Assembleia.
O curso era como uma gota d’água na pedra quente, mas houve algo interessante! Foi montada no presídio uma peça de teatro e Iberê fez, para o cenário, um gigantesco painel, um trabalho maravilhoso! Ele estava na fase dos carretéis, quase abstrata, mas, de maneira inesperada, apareceram no trabalho figuras humanas, que só iriam ressurgir na sua obra muitos anos depois. Os alunos e eu pintamos as laterais do palco. O teatro era grande e muitos presos puderam ver! Quando Iberê foi embora para o Rio, fiquei mais um ano lá, sozinha, até que o novo superintendente encerrou as aulas - preferindo que fosse ensinado algo mais prático."
Depoimento de Maria Tomaselli em fevereiro de 2020 para a exposição Iberê Camargo – O Fio de Ariadne.