IMAGEM E RECONHECIMENTO
A pintura de Nikias Skapinakis é o mais claro exemplo em Portugal de um pintor que, atravessando meio século de história da pintura, soube sempre encontrar a especificidade de cada imagem dialogando com o fluxo das suas metamorfoses.
Porventura a sua referência mais notada é a relação com a pop, presente na superficialidade quase tipográfica das suas cores planas e vibrantes, como na sensualidade das mulheres que representou. Poder-se-ia também falar de Matisse e do predomínio de uma forma que nasce do desenho para se converter em campo cromático. Mas o seu percurso é mais complexo, cobrindo um espectro muito amplo de procedimentos, desde a redução da paleta do final da década de oitenta, passando pela explosão fragmentada dos fluxos de formas das paisagens que efectuou antes, até à melancolia dos retratos que marcaram muitas das discussões sobre o seu percurso – pelo feminismo que assumiam – realizados na década de setenta.
Pintura autoconsciente dos seus processos, a obra de Skapinakis parece porvir, de uma ou de outra forma, da polémica que lançou em 1958, numa famosa conferência na qual equacionou a volta da figuração como uma inevitabilidade do caminho de consagração do modernismo.
A pintura de Skapinakis é porventura o único exemplo em Portugal de um artista que pensa conscientemente a pintura como imagem e, simultaneamente, produz uma obra que reflecte sobre as suas próprias condições de viabilidade – o que não implica uma metapintura, mas uma “pintura na primeira pessoa” que, no entanto, efectua, permanentemente, a sua própria análise.
Nesse sentido, Skapinakis construiu, ao longo do tempo, um puzzle em torno do procedimento da pintura como imagem, nunca desvalorizando a crença de que uma imagem é sempre votada ao outro e, portanto, ao reconhecimento; e que é nesse reconhecimento que é jogada a sua especificidade e a capacidade que mantém de, para lá da fotografia e das tecnologias da imagem que atravessaram este meio século, manter-se como um campo próprio e insubstituível.
Delfim Sardo