"[...] berê Camargo formou-se numa região do Estado que, culturalmente, marcou a confluência das imigrações europeias tardias, do final do século XIX, e dos gaúchos, proprietários ou peões de fazendas.
O artista veio de uma região que, geograficamente, está entre as montanhas do Planalto Central e o Pampa. 'O clima de meus quadros vem da solidão da campanha, do campo, onde fui guri e adolescente'. Na sua última década de vida, essa solidão parece ter retornado, como sentimento projetado às suas telas, ao mesmo tempo em que havia retornado ao seu pátio, como imagem de segurança: 'Sempre fui ligado a terra, ao meu pátio. No Rio Grande do Sul estou no colo da minha mãe'.
Homem culto, era amigo de artistas e escritores, entre os quais, Érico Veríssimo, autor da saga composta de ficção e história do Rio Grande do Sul, O tempo e o vento. O vento significava, simbolicamente, o homem gaúcho, quase sempre ausente, distante de casa, envolvido nas lides da criação e do transporte de cavalos e de gado, ou nas batalhas das sucessivas revoluções que marcaram o Estado. Este homem interagia, sempre, com a paisagem. Seu trabalho era ao ar livre, dormia ao relento e, muitas vezes, caía morto por terra e nela era enterrado. O tempo era vinculado à mulher: a repetição sem fim dos mesmos atos cotidianos, o atendimento aos partos e às mortes e, sobretudo, a espera do guerreiro que voltava periodicamente exausto das batalhas ou que não voltava mais.
Em uma espécie de diálogo com essa saga até certo ponto gloriosa, sobretudo em seu primeiro volume com o herói mítico Capitão Rodrigo, o artista, já no fim de sua vida, pintou as imensas telas No vento e na terra I e II. Nelas, um corpo assexuado e nu encontra-se deitado no chão em decúbito dorsal. Seu tosto, voltado ao espectador, é de um ser em agonia sobre a terra também nua o morta. Enquanto o herói de Érico Veríssimo contribuía para a criação de uma imagem idealizada, vinculada à busca de uma identidade cultural, as de Iberê parecem indagar-se sobre o sentido da vida e da finitude.
No livro de Érico, o tempo e o vento passam sobre a terra, alteram sua superfície, mas ela continua a existir como referência maior. Nas telas de Iberê, é como se o ser (homem ou mulher ou ambos simultaneamente) engendrasse e fosse gerado pela terra sobre a qual se estende, que lhe serve de leito: refúgio breve ou definitivo. O antimito, o anti-herói – metáfora da condição humana. No vento e na terra, está o homem, todos os homens."
CATTANI, Icleia Borsa. Paisagens de dentro: as últimas pinturas de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2009. p. 29-34.
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