Ao fundo da tela, há um pintor em seu ateliê, trajando uma longa capa azulada e um pequeno chapéu redondo. Ele afasta uma pesada cortina listada com a mão direita e olha o que acontece do outro lado da porta; na mão esquerda segura uma paleta (a disposição das tintas obedecendo aos manuais acadêmicos da época) e pincéis. Pode-se presumir que alguém teria batido à porta do estúdio – o importuno do título – e que o pintor se levantou para averiguar quem era, enquanto sua modelo – uma rapariga de cabelos escuros presos em coque posicionada no lado esquerdo do primeiro plano da imagem – teria se recolhido, vexada e de meias, para trás do cavalete e da cortina. Pela fresta da porta o pintor olha algo ou alguém que não nos é permitido ver, enquanto sua modelo o examina sem por ele ser visto. Sobre o chão de tábuas corridas há um tapete oriental e uma pele de tamanduá-mirim estendida ao lado, objetos que ajudam a definir as três faixas verticais a partir das quais se ordena a composição da obra, firme e exata. Uma das faixas, o espaço à esquerda ocupado pela modelo, é delimitada pela haste do cavalete; outra, à direita e ocupada pela figura do artista, é limitada na parte superior pela porta e se estende ao longo da pele do tamanduá; a terceira faixa, central, abriga o espaço que ambos teriam ocupado antes que o importuno batesse à porta. Espaço onde instantes antes o ato da pintura estava a se consumir.
Mas seria só isso? Não se deve esquecer que nós, os espectadores, também estamos a espreitar o pintor e sua modelo, sem sermos notados por eles. Ao lançar olhares cupidinosos sobre a tela, não seríamos nós o importuno do título? O importuno trata de uma reflexão sobre a contemplação da arte e da pintura – tema bastante conhecido da história da arte – e sobre os problemas inerentes a essa ação, que demanda a relação interdependente, porém fugitiva, do sujeito que olha e do objeto que é olhado. O quadro inteiro está organizado a partir de relações duplas: são duas as cadeiras, são duas as figuras, os tapetes e as cortinas, duas telas emolduradas, duas telas em processo, dois rifles, duas paletas, duas capas. A tensão e a sensualidade um pouco ameaçadoras do quadro se constituem precisamente a partir dessas associações binárias. É aí que reside a força da metáfora de Almeida Júnior.