O Negro

Retrato de um homem negro, representado em busto, virado 3/4 à direita, com o olhar dirigido para cima e para a direita. Destaca-se o porte altivo e cheio de dignidade da figura, enfatizado pelo posicionamento do rosto, mas também pelo manto amplo sobre o ombro direito, e o chapéu do tipo fez, vermelho, com uma longa borla azul. Estes acessórios conferem exotismo à figura ao mesmo tempo que reforçam a pose majestática, tendo, por outro lado, todos eles, funções estruturantes no equilíbrio da composição. A grande mancha amarela constituída pelo manto, cuja modelação e textura são apenas esboçadas, divide a composição em dois grandes triângulos, dos quais o superior é minuciosamente trabalhado, no desenho fino do pelo do bigode e barba ou no brilho acetinado da pele do rosto. Pontuam ainda aqui as cores vibrantes do fez e da respectiva borla, peculiar e exuberante enquadramento da cabeça. A intensidade da expressão do rosto e a singularidade do seu porte, num contexto geográfico e temporal em que a maior parte da população negra vivia ainda em condição escrava, situam esta obra na esfera do retrato mais do que na pintura de género ou na corrente orientalista, muito cultivada noutros países europeus neste mesmo período. O gosto pela representação de figuras do Norte de África, carregadas de exotismo, marcou a pintura europeia romântica e neo-clássica da segunda metade do século XIX, sobretudo a de países como a França e a Espanha presentes nesses territórios na qualidade de colonizadores. A temática suscitou muito pouco interesse entre os artistas Portugueses, o que, praticamente, isola "O Negro" na arte do século XIX, em Portugal. De entre a plêiade de pintores que elegeram como tema figuras e paisagens norte africanas, podem destacar-se, por afinidade de ponto de vista com esta obra de João António Correia, os retratos realizados por Josep Tapiró i Baró e Mariano Fortuny, durante as suas viagens a Marrocos e Tanger a partir de 1871. João António Correia ocupou o lugar de professor de Pintura Histórica na Academia Portuense de Belas Artes após uma estadia de sete anos em França, durante a qual foi aluno de Vernet, Delaroche e Ingres. Mais próximo da matriz romântica da sua formação foi no entanto professor dos artistas mais destacados da primeira geração naturalista: Soares dos Reis, Marques de Oliveira, Silva Porto e Henrique Pousão.