Esta bela pintura é a mais qualificada da coleção de Silva Porto do Museu. Para isso contribuem diversas razões: foi realizada em Itália, no final, do período de estudos no estrangeiro que foi proporcionado ao pintor pela bolsa de Estado; regista um ambiente urbano, raro no conjunto da obra do pintor; sobretudo, manifesta um gosto compositivo muito conseguido no registo do casario que ocupa quase todo o espaço do pequeno suporte.
Como tantos outros pintores, de diversas nacionalidades, que, desde meados do século, procuraram em Capri motivos de pintura, Silva Porto foi sensível à beleza da arquitetura da ilha, feita de formas simples, tendencionalmente geométricas, oferecendo à luz os seus brilhos claros. Neste caso, ele elege um ousado jogo cromático, nacarando os brancos para os fazer rimar com o alçado róseo e os castanhos das portadas. Entre uns e outros, a paleta mancha-se em formas coloridas imprecisas mas de grande expressividade. O torreão que se ergue sobre o fundo afirma a monumentalidade do sítio que, sem ele, se minorizaria, evocando a História e a presença do sagrado. O apontamento humano – o vulto de uma mulher de costas de bilha à cabeça – anima o local com a sugestão da sua habitabilidade, no entanto é a beleza da arquitectura que domina a composição, resolvida em manchas de cor que se constituem como formas rigorosas, encaixadas umas nas outras. A figura do céu, ecoando a claridade luminosa do Mediterrâneo, é uma moldura feliz que reforça a verticalidade da pintura, alargando e, ao mesmo tempo, circunscrevendo, o seu espaço de respiração.
Poucos anos mais tarde, o jovem Henrique Pousão havia de pintar, na mesma ilha, motivos idênticos, com uma liberdade e qualidade assinaláveis que nos ajudam também a valorizar este trabalho de Silva Porto. Um e outros são dos mais modernos que da arte portuguesa de então, libertos de receituários naturalistas, entendendo, como Cézanne há-de defender, as formas coloridas não como manchas difusas mas afirmações volumétricas.
Raquel Henriques da Silva