Várias vezes a crítica, numa atitude anacrónica, pediu a Silva Porto o grande quadro. Uma resposta poderá ter sido A volta do mercado. Exemplo maior da pintura solar do artista exibe a terra e o céu azul separados por uma faixa de animais e homens, numa tentativa de equilíbrio entre a figura e o habitar a paisagem. O azul do céu é gradado do mais profundo ao turquesa; a paisagem de vegetação mediterrânica, onde os tons terrosos predominam, recebe as sombras cruamente pintadas. O vermelho do chapéu de sol, para além de contraponto luminoso sugere uma nota térmica à paisagem. O apontamento espontâneo em busca de uma picturalidade nova dá lugar a um acabamento mais fidedigno ao referente, organizado por um esquema de composição tradicional. No primeiro plano, o cão que se afasta da lenta marcha dos burros vem inscrever o instantâneo da cena. O tema do quadro consente a memória dos "Paysans de Flagey revenant de la foire" de Courbet. Tal como neste, representa um momento importante da vida da população rural. Só que em A volta do mercado não estamos perante a representação das várias classes sociais, mas antes face a um olhar sobre o pitoresco e o colorido local. Este aspecto permite situar o naturalismo de Silva Porto dentro de um alheamento da cultura da modernidade internacional, e também cada vez mais arredado das preocupações pictóricas iniciais, deixando no entanto o testemunho de um entendimento da luz como presença que perdurará por gerações. (Pedro Lapa)