No Pentecostes, da mesma série, ganham expressiva visibilidade, pela escala e atitude dramática, as figuras dos apóstolos em primeiro plano, S. Pedro e S. João. Ao centro da composição, enquadrada pela abóbada que repete com manifesta ingenuidade formal a arquitetura real, a célebre abóbada “manuelina de nós” da Catedral, figura a
Virgem acompanhada de santas mulheres e dos restantes apóstolos. Os objetos de uso quotidiano que aqui pontuam, um armário ao qual se sobrepõe um candelabro sem vela, uma jarra e um pote, para além da sua provável valência simbólica – o candelabro sem vela poderá ser entendido como um reforço da ideia da presença da luz divina do Espírito Santo – oferecem-se ao olhar do espectador como se a pintura fosse um prolongamento do seu próprio mundo.
Este modelo figurativo é em todos os aspetos idêntico ao que Grão Vasco utilizou no retábulo assinado, de 1535, destinado ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que é sem dúvida uma das suas melhores obras. Mas tudo indica que este retábulo feito para a Catedral é anterior, seja pelo carácter mais arcaizante da linguagem da arquitetura, pelo modo mais confuso de ordenar as formas, pelo menor envolvimento dramático das figuras, seja pela qualidade do visível, pelo carácter aberto, contrastante e festivo da cor. De resto, a colaboração de Gaspar Vaz ao nível do pictural torna-se evidente através de uma análise comparativa com o S. Pedro, já que se repetem aqui os elementos figurativos do cenário, capitéis, azulejos do pavimento, etc., mas em versão simplificada. Nos erros de perspetiva e nas estranhas simplificações formais do muro que enquadra a cena, bem como na modelação de uma série de pormenores anatómicos, especialmente das mãos, com dedos longos e hirtos, identificam-se algumas formulações
características de Gaspar Vaz.
Na predela, recortados num fundo de paisagem formalmente contínua, figuram os bustos das santas Luzia, Catarina e Margarida, cuja posição se manteve trocada (entre Santa Catarina e Santa Margarida), ao longo do último século.Dalila Rodrigues