Ping-Pong Piece

EXPERIMENTAR
A mesa de pingue-pongue transformou-se em escultura porque a sua função foi modificada, metamorfoseada num momento de suspensão temporal. A bola está suspensa, hesitante entre os dois campos sob a deslocação de ar provocada pela ventoinha. É uma entidade mutante, entre a sua função prévia, que reconhecemos, e a qualidade cinética que a suspensão temporal lhe fornece, o som do ar e do motor da ventoinha a construir uma banda sonora tão neutra como o ruído do ar condicionado.
As obras de Ricardo Jacinto, no seu cruzamento entre a escultura, o som (porque também é músico), e a arquitectura (que é a sua formação inicial), são dispositivos muito complexos na sua concepção, por vezes muito simples e efectivos na sua presença no espaço. Ao longo dos últimos anos estes vários campos (a escultura, a arquitectura e o som) têm vindo a cruzar-se na construção de situações que colocam o espectador perante uma adivinha, um mistério: ora temos de decifrar um jogo complexo de referências e histórias, ora somos confrontados com uma situação na qual literalmente mergulhamos, os nossos sentidos tomados por um ambiente no qual o som, a visão, o espaço, o desequilíbrio, a falta de coordenadas espaciais, a temperatura ou o tacto marcam a nossa relação hipersensorializada com o espaço.
Nesses ambientes a tarefa de interpretação que, por vezes, exageradamente, atribuímos à nossa relação com a arte contemporânea é colocada em suspenso, posta entre parêntesis, porque nos é solicitado, como espectadores, que exerçamos a nossa melhor capacidade de atenção e nos disponibilizemos para a perturbação dos sentidos que nos é proposta.
É dirigida a esta abertura que a sua escultura e os seus ambientes são pensados.

Delfim Sardo